“EÔ!”, grita Isis para chamar atenção de dezenas de crianças à sua frente. O que antes era um misto de vozes e risadas, vira um uníssono “OÊ”. A partir daqui só ouvimos pequenos cochichos e risadas transformadas em sussurros misturados. Entre o falatório de volume baixo, além do som dos instrumentos de percussão sendo posicionados, destaca a voz também de Eduardo, que tenta coordenar a turma para a foto do jornal.
À primeira vista, o que chama a atenção são os instrumentos coloridos. Marcações, caixas e repiques cintilam com o brilho do dia. E quando combinados com o ritmo da batucada e a ginga da criançada, a harmonia dos elementos dá luz a uma festa sonora. Esse espetáculo todo é o Batucavidi, um projeto social que leciona percussão para cerca de 40 crianças e adolescentes de 6 a 18 anos. O projeto tem origem no Vidigal, comunidade na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, e quem criou e coordena a turma é Isis Maria da Silva, de 27 anos.
Ela conta que o Batucavidi teve início em 2018, mas em 2016, o projeto já engatinhava. “Em 2016, eu ensaiava na rua com a minha antiga banda e as crianças me olhavam tocando e queriam ter aula comigo. Na época, eu não tinha material para isso. Então arranjei alguns baldes. E assim começou tudo. Baquetas, baldes, cinco alunos e um cachorro”, ri ela. Entre 2017 e 2018, Isis conheceu a ONG Favela Inc. que havia recebido integrantes de um grupo francês chamado Troupe BatukaVI, que tinha se apresentado anteriormente, em 2016, nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Na visita, o grupo francês deixou os instrumentos de percussão na ONG, destinando-os para algum projeto social que tivesse a mesma proposta: crianças na percussão. A ideia era que, quando voltassem ao Brasil, fosse feito um intercâmbio com a turma daqui. “Quando eu vi, na ONG, tinha instrumentos parados, sem uso, e eu precisando, não pensei duas vezes”, conta Isis.
No início, a coordenadora não imaginava que o Batucavidi desempenhasse um papel social, mas com a ajuda de Eduardo Machado, de 45 anos, que também coordena o grupo, o projeto ganhou uma estrutura mais sólida. Mantendo o contato com o grupo francês, Isis foi convidada a viajar para França e conhecer o Troupe BatukaVI. Por três semanas, ela fez uma imersão no projeto social e voltou da Europa com uma ampla bagagem cultural para colocar em prática no Batucavidi. No ano seguinte, em 2019, os franceses foram até o Vidigal conhecer o Batucavidi. “Foi um encontro de intercâmbio linguístico e musical dentro da favela.”, revela Isis. O próximo encontro estava marcado para 2020, na França, mas a pandemia da Covid-19 interrompeu os planos.
Durante a pandemia do Covid-19, o Batucavidi até interrompeu os ensaios, mas como as crianças não tinham recreação alguma por conta do isolamento, o grupo voltou às atividades mais cedo. E desde então, não parou mais. Com a alta taxa de vacinação e casos da doença em baixa, a tão esperada viagem do Batucavidi aconteceu. O grupo realizou o intercâmbio na França, onde se encontrou com o Troupe BatukaVI. Lá, realizaram apresentações pelo centro da cidade de Grenoble e também no Estádio dos Alpes. Depois o grupo embarcou para Genebra, na Suíça, onde fez uma apresentação em uma conferência da ONU.
Ao falar sobre o significado do Batucavidi, Isis se emociona. “A ponto da gente chegar aonde a gente chegou, começando em aulas de baldes? Nossa! As crianças entraram na ONU e viram cartazes com as fotos deles, com os nomes deles e todos tratando eles como estrelas que eles são. E cada um desses meninos são estrelas. E olhar isso desta forma às vezes a gente não acredita”.