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Pessoas invisíveis no CPX do Alemão: Violação de direitos sociais e humanos

Moradores da Lagoinha e próximo ao Teleférico da Palmeira vivem situação de abandono público
Seu Sebastião vive de doações, da ajuda de vizinhos e auxílio de amigos Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

Quando falamos em pessoas invisíveis não é sobre pessoas com superpoderes. Falamos de pessoas que querem ser vistas e que precisam ser. E não é algo distante, estão ao lado, ou mesmo acima, como no caso das pessoas invisíveis do CPX do Alemão.

Quem está por cima geralmente consegue ser visto, mas nesses casos é o contrário. Próximo ao teleférico da Palmeira, além dos deslizamentos de terra que o Voz das Comunidades denuncia com frequência, encontramos também histórias de pessoas que sobrevivem com a ajuda de amigos ou que mal saem de suas casas por dificuldade em acessar a cidade.

Uma dessas pessoas é o cearense Sebastião Paiva da Silva, de 63 anos. Chegou no Complexo do Alemão em 1982, há 41 anos. Tinha esposa, mas se separou e junto perdeu seus documentos e a cidadania. Ele guarda apenas as cópias das documentações e por isso não consegue acessar benefícios do governo. “Tá ruim pro meu lado, tô passando uma fome braba, só não to morrendo de fome porque os ‘cabra’ me ajudam. A vida é meio pesada mas a gente dá um jeito, pra tudo se dá um jeito, só é ruim é a doença né meu fí?” desabafa. Seu Sebastião mora há 28 anos em um quarto 2×3 m², onde convive com o mofo que já deixou ele doente por oito meses, com pneumonia. Além do vazamento, ele convidou nossa equipe para entrar em sua casa e explicou que, quando chove, molha os poucos móveis que tem. Um rádio, um fogão que não cozinha nada, por falta de gás de cozinha, e um colchão são objetos que logo se identificam.

Para cozinhar, seu Sebastião, conhecido na vizinhança como Bonecão, leva os alimentos para casa dos vizinhos ou prepara um fogo de lenha.  É impossibilitado de trabalhar, segundo ele, devido ao braço direito que está quebrado. O acidente aconteceu há cerca de um ano. Ele caiu em um buraco que fica no caminho de acesso à casa. O morador conta que em outro caminho que leva ao local, duas pessoas já morreram vítimas de quedas fatais.

Uma das pessoas que sempre ajuda seu Sebastião é a dona de casa Maria da Penha, de 48 anos, natural de Santa Rita mas mora desde pequena na localidade. Ela conta que sobrevive com o auxílio do governo de R$ 600  que não dá para o mês todo e, para complementar a renda, recolhe materiais recicláveis e vende roupas.

Dona Maria da Penha em pé à esquerda, seu Sebastião na ponta a direita e no meio Luiz Carlos Costa, amigos reunidos no horário do almoço.
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

Dona Maria da Penha não tem água encanada. E, para que chegue água na sua residência, precisa que a vizinha de cima coloque uma mangueira para sua casa. Com o dinheiro que ganha ela se sustenta e ainda ajuda sua filha e seus três netos. “A gente cozinha mamão verde pra comer com arroz. O que não pode é morrer de fome”, desabafa.

Seu José Carlos Félix viu a reportagem e quis falar sobre a situação da Lagoinha
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

Já em outra localidade do CPX, próximo do teleférico da Central, na região conhecida como Lagoinha, vivem alguns moradores em barracos de madeira improvisados nas partes altas próximas à Serra da Misericórdia. O Voz das Comunidades já denunciou na edição 83 o descaso com a região na reportagem “Autoridades, a Lagoinha existe!”. Entretanto até o momento nada mudou. 

“Ninguém nem olha para a gente aqui atrás” conta seu José Carlos Félix de Oliveira, de 57 anos, que está desempregado  e faz bicos para sobreviver. Seu José Carlos conta que mora há dez anos na Lagoinha. “Os caminhos tudo ruim, não consertam, quando cai uma árvore vem aí cortam um montão de árvore mas a escada ninguém nem olha” desabafa. 

Violação dos Direitos Humanos

As situações de insegurança alimentar não são casos isolados. A pesquisa “Indicadores de Cidadania do Ibase – Insegurança Alimentar no Complexo do Alemão”, feita pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase em parceria com a Ong Educap e o Instituto Raízes em Movimento, revelou que cerca de 53% dos moradores do Complexo do Alemão convivem com insegurança alimentar. 

A Constituição Federal Brasileira de 1988 define a alimentação como um Direito Social, assim como a moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social e proteção à maternidade e à infância. Os direitos sociais servem para todas as pessoas e são importantes para que possam se desenvolver plenamente e exercer a cidadania. Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a segurança social também é garantia comum a todas as pessoas e diz que “Todos temos o direito a uma casa, medicamentos, educação, dinheiro suficiente para viver e a assistência médica se estivermos velhos ou doentes.” 

O Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) 10 também diz respeito a redução das desigualdades entre os países e, inclusive dentre deles, a meta é até 2030 alcançar e sustentar o crescimento dos 40% da população mais pobre em comparação com os 10% mais ricos. O Rio de Janeiro é o terceiro estado mais desigual do Brasil segundo a pesquisa Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio – Pnad Contínua do IBGE. Estando atrás apenas da Paraíba e de Roraima. 

Pela garantia dos direitos

O Plano de Ação Popular do CPX já denuncia estas violações de direitos e propõe soluções para problemas como a questão da moradia. Entre as propostas consta a integração de políticas urbanas para a produção e oferta de novas moradias no Complexo do Alemão. 

A equipe do Voz das Comunidades entrou em contato com a Secretaria Municipal de Assistência Social e questionou como as pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade social podem ser auxiliadas. Nos casos mencionados pela reportagem, a secretaria pediu os nomes para que possa procurar ou encaminhar para o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de Ramos. A secretaria informou ainda que pode ajudar com acompanhamento social, orientação para acesso de documentação, inclusão no Cadastro Único com vistas ao acesso em programa de transferência de renda, e outros serviços ofertados pelo CRAS. E se outras pessoas estiverem passando por situações semelhantes, devem procurar o CRAS Ramos, localizado na Estrada do Itararé, 222, Ramos.

A Defensoria Pública atende casos de violações de direitos com prestação de assistência jurídica, de forma itinerante no Complexo do Alemão e Vila Cruzeiro. O atendimento acontece na Avenida Nossa Senhora da Penha, 25 (dentro do estacionamento do 28.º Quartel de Bombeiros), Penha – Rio de Janeiro, RJ – segunda-feira, semanalmente. 

Foi realizado contato com a subprefeitura relatando as condições de acesso e moradia e questionado como ela poderia auxiliar os moradores, mas não tivemos retorno até o fechamento desta matéria.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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