Um estudo realizado pelo Coletivo Construindo Juntos, localizado na Zona Oeste do Rio de Janeiro, aponta que um terço das crianças da Cidade de Deus não estudaram nenhuma hora por semana durante a pandemia da Covid-19. O levantamento é fruto de uma parceria entre o do Coletivo de Pesquisa e a Universidade de Tufts Massachusetts, dos Estados Unidos.
Sabe-se que o contexto pandêmico afetou a todos, mas, principalmente, moradores de favelas e periferias. Diante disso, através da pesquisa do Construindo Juntos, pôde-se evidenciar que 31,6% de pessoas da Cidade de Deus relataram que as crianças residentes nas suas casas não estudaram durante a pandemia. O dado é preocupante, tendo em vista que, desde março de 2020 até outubro de 2021, as aulas na rede pública de ensino foram feitas de maneira remota e/ou ensino híbrido.
Além disso, de acordo com o estudo, 97% dos entrevistados disseram que as crianças não estavam aprendendo tanto quanto antes. Isso se dá, segundo as conclusões do levantamento, porque as família não tem acesso à tecnologia. Além disso, a qualidade do sinal é uns problemas que eles enfretntam. A evasão escolar também foi uma realidade percebida durante a pesquisa. Pois, 12% dos adolescentes abandonam a escola durante a pandemia. Um dos motivos é pelo fato de ter que trabalhar para ajudar no sustento de casa. Mais da metade deles também não conseguiu acessar o material escolar de forma regular nos últimos dois anos.
Devido a estas dificuldades, a necessidade de um reforço escolar cresceu na Cidade de Deus. 84% dos entrevistados afirmaram que seria necessário reforços educacionais para as crianças recuperarem o aprendizado perdido. Além dos jovens, o levantamento também aponta que a taxa de evasão entre adultos na Cidade de Deus foi cinco vezes maior que a média do país. Aproximadamente 73% desistiram dos estudos.
Sobre o coletivo e a pesquisa
O coletivo foi fundado em 2019, como uma expansão de uma pesquisa comunitária realizada em 2017 na Cidade de Deus. O grupo tem como finalidade trazer voz e legitimidade ou “saber periférico,” conhecimento e formas de ver o mundo de pessoas geralmente excluídas de espaços acadêmicos: pessoas negras, de baixa renda ou baixa escolaridade formal e de países historicamente colonizados. Para isso, o Construindo Juntos desenvolve parcerias entre a academia e a favela para promover a construção de dados, análises e teorias sociais de uma forma colaborativa, educativa e com ênfase na justiça social.
A coordenadora do Coletivo, Mirian Andrade, falou sobre a relevância da pesquisa. “Sabemos que pela limitação do modelo online a pesquisa não alcançou os mais vulneráveis. Mas, direciona a tendência do impacto que tivemos em diversas áreas com a pandemia. Como coordenadora e educadora de projeto social que pauta a educação, tenho a vivência real de que quase 100% de crianças e adolescentes da Cidade de Deus tiveram perdas educacionais significativas nesse período fora da escolas. Não só não aprenderam, mas também desaprenderam também. O Banco Mundial em recente relatório já sinalizava que a “pobreza da aprendizagem” pode crescer em 20%. Cerca de 2 em cada 3 alunos podem não ser capazes de entender textos adequados para sua idade. Isso é desesperador! A educação sempre foi desigual, mas estamos retrocedendo anos nesse momento”.
Ainda segundo ela, internet de qualidade e equipamento disponível para as aulas também é desigual dentro da própria Cidade de Deus. Somente 7% dos lares, com crianças, tinham acesso a computadores e 20% à banda larga.
Reflexo da defasagem na educação
O educador popular Jota Marques, cria da Cidade de Deus, Conselheiro Tutelar, falou a respeiro dos dados apontados na pesquisa e como isso impacta a vida dos moradores mais jovens da comunidade.
“A pandemia revelou uma realidade histórica: os territórios favelados recebem um inapropriado projeto político de educação que não compreende e não deseja levar em consideração a identidade do estudante de favela, as complexidades locais e a dinâmica socioeconômica das famílias desses territórios, como a Cidade de Deus. Na atual direção, o médio e longo prazo tendem a apresentar um cenário ainda mais trágico, como por exemplo: o aumento da taxa de analfabetismo e o aumento da distância desse aluno a vir disputar e ocupar uma universidade pública. São direitos fundamentais que estão sendo negados às populações que, ora, constroem a cidade, mas sempre nos bastidores e raramente na tomada de decisão”.
De acordo com Jota, é preciso recuperar a co-construção de um projeto político pedagógico que garanta a participação direta do território. Além disso, aproximar a comunidade de espaços em que podem pensar, desenvolver e executar políticas públicas; da concepção, orçamento à execução.
Para ter acesso a essa pesquisa com recorte educacional e outras, como de saúde, basta acessar este link (https://www.construindojuntos.com/acervo)