Todo mundo já deve ter ouvido essa frase, que faz imediatamente lembrar das campanhas sobre alimentação saudável: você é o que você come. A alimentação, mais do que uma necessidade do corpo, também é questão de saúde e de direitos humanos. Nos últimos tempos, o ritmo de vida acelerado, aliado ao crescimento da produção e industrialização de alimentos, homogeneizou muito de nossa alimentação em nome da rapidez, praticidade, comodidade e economia. Se, por um lado, as redes fast food figuraram como os primeiros inimigos da alimentação saudável, a cozinha de casa também foi tomada por alimentos de baixo valor nutricional e alto conteúdo em açúcares, carboidratos e gorduras.
A correria do dia a dia afastou a comida caseira e a cozinha tradicional das casas brasileiras, trocando os ingredientes locais e pratos típicos pelos industrializados prontos para servir. Não por acaso, a quarentena despertou o chef de cozinha em muita gente, que – com mais tempo em casa e com lanchonetes, bares e restaurantes fechados – resolveu se arriscar em novos pratos, se dedicar um pouco mais em preparar alimentos frescos, e até mesmo receitas mais complexas, como as fornadas de pães caseiros.
Porém, a publicidade dos alimentos industrializados, que tem seu grande apelo na rapidez e praticidade, ainda é maior que a dos alimentos naturais e exerce grande influência sobre as crianças, sobretudo quando envolve personagens infantis. O problema desse tipo de comida são as altas quantidades de conservantes, usados para aumentar a validade dos alimentos, principalmente o sal e açúcar. Por outro lado, as refeições com ingredientes frescos e de qualidade tornaram-se o ponto alto de restaurantes chiques, transformando a boa alimentação em artigo de luxo – sem falar na “gourmetização” de refeições calóricas e nada nutritivas, apenas para justificar a cobrança de preços altos.
O Brasil é um país com uma cultura alimentar riquíssima, variada nas cinco regiões do país, e ingredientes igualmente diversos. Porém, nos grandes supermercados sempre há a mesma oferta de produtos, inclusive os de origem vegetal. Parece até contraditório, pois os supermercados estão lotados de de opções, mas, na realidade, elas não são tão diferentes assim! Sem falar que a maioria dos gêneros alimentícios que se encontram nas prateleiras é de alimentos industrializados, que podem ser divididos em processados e ultraprocessados. Alimentos processados são aqueles que possuem maioria dos ingredientes derivados de alimentos naturais (por exemplo, flocos de milho), já os ultraprocessados possuem sabor e/ou aroma semelhante ao natural , mas contém inúmeros ingredientes sintéticos (exemplo, os salgadinhos de milho sabor presunto).
Uma alimentação baseada em comida industrializada traz sérios riscos à saúde, tanto pelos ingredientes contidos nessa alimentação quanto pela alta frequência de ingestão de açúcares, gordura e sal, podendo levar ao surgimento de doenças cardíacas, hipertensão, diabetes e obesidade. Além disso, esses alimentos são perigosos para pessoas com alergia, sensibilidade e intolerância alimentar, pois costumam ser produzidos nos mesmos equipamentos que processam outros ingredientes conhecidos por causarem alergia, como castanhas, amendoim e glúten, cujos resíduos vão parar dentro dos alimentos industrializados.
Tipos de alimentos
A pandemia do coronavírus impediu a realização das festas juninas em 2020, uma celebração que mora no coração do brasileiro pela suas cores, alegria e culinária. Junho e julho são os meses das tradicionais festas de São João, que marcam o agradecimento dos camponeses pelas chuvas e colheita nas lavouras, celebrando os grãos, principalmente de milho. As festas são famosas pelas comidas típicas, a maioria com milho como ingrediente principal. Contudo, hoje em dia 88% da produção de milho do país é transgênica. O mesmo ocorre com a soja. O milho está presente em vários alimentos da mesa do brasileiro, mas parte dele é usado na produção de ração animal para gado de abate, junto com a soja, que também serve de ingrediente para as massas congeladas. Ainda assim, em 2018 foi discutido no Senado a retirada do selo que informa a presença de ingredientes transgênicos das embalagens de produtos alimentícios.
Atualmente, grande parte do milho e da soja é cultivada em regime de monocultura, isto é, uma plantação sem diversidade de outros alimentos ou outras plantas. Geralmente seu cultivo implica no desmatamento de grandes áreas, inclusive de florestas. Em 2020, apesar da pandemia, o desmatamento na região amazônica segue batendo recordes. O destino da soja em grande parte é ser transformada em ração animal para o gado, apenas uma parte é usada para consumo humano. Nesse caso, a soja serve como ingrediente para massas e alimentos industrializados. Por outro lado, a maioria dos alimentos naturais que chegam na mesa do brasileiro é fruto da agricultura familiar, responsável pela produção de feijão, arroz, trigo, mandioca, legumes, frutas e verduras. A agricultura familiar ocupa apenas 23% da área agrícola total do país, segundo o Censo Agrícola de 2017. Em contraste, o agronegócio ocupa 77% da área agrícola do país. Ainda de acordo com o IBGE, a agricultura familiar responde por 48% do valor da produção de café e banana, 80% do valor de produção da mandioca, 69% do abacaxi e 42% da produção do feijão.
O arroz com feijão é uma combinação presente diariamente no prato brasileiro e fornece a maioria dos aminoácidos essenciais necessários para manter o organismo saudável. É ainda um ótimo exemplo de como a cozinha tradicional é importante para uma população saudável. Os alimentos processados e ultraprocessados, ao contrário, são de baixo valor nutritivo e alto teor calórico. Isso significa que eles fornecem ao organismo grandes quantidades de carboidratos, gorduras e açúcares, que servem para gerar energia, porém deixam o organismo deficiente em outros nutrientes, como vitaminas e sais minerais. Além disso, os carboidratos desse tipo de alimento são simples e de fácil digestão, proporcionando uma saciedade passageira que favorece a ingestão de quantidades maiores desses alimentos.
No país onde “se plantando tudo dá”, não parece certo acontecer esse apagamento da cozinha tradicional, seguido pela homogeneização e gourmetização da alimentação. A cozinha caseira, mesmo com elementos simples, é muito mais saudável e nutritiva que os alimentos congelados e industrializados. Alimentos como a mandioca e a batata doce, e até mesmo uma simples banana, contém mais energia e nutrientes essenciais que as receitas industrializadas. Valorizar as tradições alimentares significa trazer autonomia e resistência para a população, significa manter laços fortes e saudáveis com nossas raízes e memória afetiva. É importante manter as receitas de família: aquele prato que a mãe ou a avó fazia, os cheiros da cozinha, os temperos, as cores dos ingredientes, os produtos locais…
É preciso garantir que todos tenham acesso à comida de qualidade, saudável e nutritiva, e não apenas a qualquer tipo de comida, pois é mais do que sabido que uma alimentação desbalanceada traz riscos à saúde. O cuidado com a alimentação deve ir além das famosas calorias e passar por escolhas conscientes sobre a nossa alimentação, principalmente quem lida com crianças e idosos. Pesquisar mais sobre os alimentos que consumimos no dia a dia, aumentar a variedade de ingredientes, testar novas receitas e novos produtos. Diminuir a quantidade e a frequência do consumo dos ultraprocessados, frequentar mais a feira, construir hortas caseiras ou comunitárias, dar preferência aos ingredientes locais e da estação, não desperdiçar os alimentos, dedicar um tempo para preparar a lista de compras e planejar do cardápio da semana são hábitos simples que podemos desenvolver para manter os alimentos industrializados longe da cozinha o máximo possível.