Mais uma vez, o Complexo do Alemão e da Penha se tornam palco de uma tragédia anunciada. Durante mais de 15 horas, uma operação policial tomou as ruas das favelas, deixando atrás de si um rastro de destruição, dor e revolta. Apesar de ser considerada um “sucesso” pelas autoridades, o saldo para os moradores foi desolador: inocentes baleados, vidas perdidas e prejuízos materiais irreparáveis.
A narrativa oficial celebra a apreensão de armas e drogas, mas ignora o verdadeiro impacto dessa operação. Para quem vive nas favelas, o “sucesso” anunciado soa como uma ofensa à realidade. O que realmente aconteceu foi uma sucessão de abusos e um flagrante desrespeito à vida e ao cotidiano de quem mora ali. Quando uma operação policial deixa corpos pelo caminho e transforma a rotina de trabalhadores em um inferno, é preciso questionar: a quem esse “sucesso” realmente serve?
Os moradores das favelas já convivem com a constante presença do medo. Não é de hoje que as ações policiais nesses territórios ignoram os direitos básicos de quem vive ali, sobretudo da população negra, que é a maioria nesses espaços e principal alvo de ações violentas. Durante a operação, relatos de moradores baleados dentro de suas próprias casas e de comerciantes que tiveram seus estabelecimentos destruídos vieram à tona. Além disso, há o impacto invisível, mas devastador, na saúde mental de quem vive nesse contexto.
Crianças negras, desde cedo, são expostas a traumas que vão moldando sua forma de enxergar o mundo. Para as crianças atípicas, como as que possuem transtorno do espectro autista (TEA) ou outras condições neurodivergentes, o barulho das balas, helicópteros e o clima de tensão podem desencadear crises intensas e gerar impactos duradouros. Para as famílias, lidar com essas situações em meio ao caos da violência policial é uma luta solitária. A saúde mental da população é constantemente desestabilizada, criando um ciclo de sofrimento que dificilmente é tratado, já que os serviços de saúde mental são escassos ou inexistentes nas favelas.
Além disso, é impossível ignorar o impacto econômico. Pequenos comerciantes, que já enfrentam dificuldades diárias para manter seus negócios em pé, foram duramente afetados. Portas fechadas, mercadorias perdidas e a incerteza sobre o futuro são apenas algumas das consequências diretas. Quem vai arcar com esse prejuízo? Certamente não serão as autoridades que celebram o “sucesso” da operação em entrevistas.
É urgente repensar o modelo de segurança pública adotado no Rio de Janeiro e em tantas outras cidades do Brasil. Operações como essa não apenas falham em combater as verdadeiras raízes da violência – como desigualdade social, racismo estrutural, falta de oportunidades e ausência do Estado nas favelas –, mas também aprofundam o abismo entre os moradores e as instituições que deveriam protegê-los.
O Complexo do Alemão e da Penha não precisam de mais operações truculentas. Precisam de investimento em educação, saúde, cultura e geração de emprego. Precisam de uma política que enxergue os moradores como cidadãos de direitos e não como alvos.
Enquanto as autoridades continuarem tratando a violência como espetáculo e as favelas como territórios de guerra, o “sucesso” das operações continuará sendo construído às custas de sangue, dor e miséria. E isso não pode mais ser aceito.
Por: Voz das Comunidades