No emaranhado da sociedade brasileira, há uma realidade dolorosa que muitas vezes é negligenciada: a perda de filhos para a violência do Estado. No Rio de Janeiro, essa tragédia é sentida de maneira recorrente, onde mães enfrentam diariamente a difícil jornada de lidar com a perda de seus entes queridos em situações frequentemente caracterizadas pela justiça e impunidade, por mãos que deveriam proteger, não destruir.
A resiliência dessas mães é admirável, que apesar do luto, encontram forças para se levantar a cada dia, a fim de buscar justiça para seus filhos e para todas as vítimas dessa violência desumana.
Consigo imaginar a angústia, a indignação e a sensação de impotência que essas mães enfrentam ao testemunhar a absolvição de mais um policial militar acusado de tirar a vida de mais um jovem, como foi o caso recente de Eduardo Felipe Santos Victor, que tinha apenas 17 anos quando foi morto durante uma operação no Morro da Providência, no centro do Rio, em 2015. Mesmo após vídeo de uma testemunha mostrar os policiais adulterando a cena do crime, houve a absolvição dos policiais no dia 25 de abril de 2024. E novamente, outra mãe de luto, outra família desamparada, mais uma “fatalidade”, mais uma vida perdida, mais um dos inúmeros casos isolados do país.
Como se já não fosse o suficiente enfrentar toda essa dor, essas mães ainda precisam encarar a questão do sepultamento de seus entes queridos, enquanto o Estado não oferece qualquer tipo de apoio e assistência nesse momento tão delicado, deixando essas mães à própria sorte. A falta de um sistema de sepultamento totalmente gratuito demonstra a falha gigantesca em nosso sistema legislativo, já que deveria ser um direito básico. Mas, ao contrário disso, muitas mães acabam se endividando para garantir um adeus digno aos seus filhos.
Com tudo, é importante reconhecer o outro lado, redes de apoio como o movimento RAAVE (Rede de Atenção a Pessoas Afetadas pela Violência de Estado) que é fruto de uma parceria necessária entre a sociedade civil, a universidade pública e a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que oferecer serviços de atendimento psicológico, psicanalítico e de atenção psicossocial em articulação com outras políticas públicas, em benefício de pessoas afetadas pela violência de Estado e outras situações de violação de direitos ou vulnerabilidade. E também o coletivo Mães de Manguinhos, quese dedica ao acolhimento de mulheres negras, especialmente mães e familiares de vítimas da violência do Estado, por meio de ações de apoio, trocas e fortalecimento coletivo na elaboração do luto e na inserção nas lutas sociais, entre outros.
Diante disso, podemos concordar que a jornada dessas mães é marcada por altos e baixos, momentos de desespero e momentos de resiliência inabaláveis. Elas não “superam” a perda de seus filhos. Em vez disso, aprendem a conviver com ela, transformando sua dor em combustível para a busca incessante por justiça e dignidade diariamente.
Portanto, exigir políticas públicas que ofereçam suporte adequado a essas mulheres e suas famílias é dever nosso, como filhos, sobrinhos, amigos, familiares, pois infelizmente, não sabemos se amanhã será o nosso ente querido numa situação dessas.
Às mães, envio toda a minha solidariedade e toda força do mundo, pois enfrentar essa realidade diariamente não deve ser uma tarefa fácil.
Stefan Costa
É um jovem negro e trans, de 28 anos, graduado em direito e criador de conteúdo digital. Produz conteúdo através da sua perspectiva como homem negro e trans na sociedade de hoje, com vídeos recheados de críticas sociais e conscientização. Stefan é embaixador do @ceres.trans, projeto fotográfico criado para enaltecer a beleza trans negra e do IYD Brasil o maior movimento pelo Dia Internacional da Juventude no Mundo. Além de fazer parte do Fundo Vozes Negras do YouTube