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Discute-se neste mês de janeiro, há pouquíssimos dias de acontecer, o adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Por meio das redes sociais, estudantes, amparados pela União Brasileira do Estudantes, entidade máxima de representação dos estudantes secundaristas no país, têm manifestado sua insatisfação em relação à permanência da data (prevista para os dias 17 e 24 de janeiro de 2021).
Levando em consideração que são aproximadamente 6 milhões de estudantes que estarão mobilizados para prestar o exame, não é necessário ser formado em epidemiologia para concluir que os riscos de transmissão da Covid-19 existem. De acordo com os últimos dados disponibilizados pelo consórcio de veículos de imprensa, o Brasil contabilizou o total de 206.009 mil óbitos e 8.257.459 casos da doença. Ou seja, diferentemente do que pensavam, o vírus não tirou férias, tampouco foi embora do país em 2021. O número de contágios, casos confirmados, bem como o de óbitos, só tem crescido nas diversas regiões. Isso nada mais é do que reflexo imediato e combinado, primeiramente, da imprudência e incapacidade dos governos atuais em orientar e conscientizar, de modo eficaz, a população, e segundo pelo fato de ter havido afrouxamento das medidas restritivas nos estados e municípios, em prol da economia.
Em 2020, período em que iniciou a pandemia do coronavírus, sendo a primeira a ser infectada uma empregada doméstica pela sua patroa, os problemas que a educação já vinha enfrentando só saíram como poeira debaixo do tapete. Em se tratando de qualidade de ensino, tanto público quanto particular, as escolas não têm sido eficientes no que diz respeito ao seus objetivos cruciais, ou pelo menos deveriam ser, que é formar jovens para o exercício da cidadania. A começar, por exemplo, pela infraestrutura, principalmente nas que estão localizadas em favelas e periferias, além das que estão em áreas rurais. Muitas enfrentam entraves quanto ao abastecimento de água, ou seja, saneamento básico, fato que tem sido divulgado nos principais meios de comunicação. Banheiros com problemas de encanamento. Janelas quebradas ou correndo risco de cair. Cadeiras e mesas em estados deploráveis. Além disso, algo que considero ainda mais grave, é a ausência de merenda escolar. Muitas crianças, devido ao agravamento da desigualdade socioeconômica estimulada por esse atual governo, vão para a escola ainda para poder ter o que se alimentar, pois não encontram em casa, pela família ter uma renda abaixo de um salário mínimo, e quando tem, são produtos básicos como arroz e feijão. Como prestar atenção na aula, no professor, da mesma maneira que estudantes de colégio particular fazem, vivendo em condições péssimas e estando com fome?
A crise sanitária causada pelo novo coronavírus causou o fechamento das escolas e universidades em março do ano passado. Milhares de crianças e adolescentes tiveram que se ausentar das salas de aulas e passaram a aprender por meio do ensino remoto. A partir desse cenário, pôde-se observar o forte impacto que teve no ensino, na aprendizagem, agravando ainda mais as desigualdades sócio-educacionais, e na vida de muitos estudantes. A falta de acesso à internet, a não possibilidade de aquisição de aparelhos tecnológicos, como computadores, smartphones, além de não haver espaço adequado para estudos, foram responsáveis pela dificuldade de aprendizado através do virtual. Essa realidade era tanto do alunado quanto dos professores. Com isso, os grupos mais prejudicados foram e ainda são os que residem em favelas, periferias e áreas rurais. Em outras palavras, os mais afetados têm gênero, cor, classe, território e região. Se no ensino presencial já havia altas taxas de evasão escolar, com o ensino on-line, por meio de TICS (Tecnologias da informação e comunicação), a tendência infelizmente é que ocorra ainda mais.
No Núcleo Independente e Comunitário de Aprendizagem (NICA), pré-vestibular comunitário localizado na favela do Jacarezinho, na zona Norte do Rio, a dificuldade de ministrar aulas foi grande. Tendo em vista que todos os alunos, em sua maioria negros, são da própria favela e também das redondezas, os recursos tecnológicos para acompanhar os conteúdos para prepará-los para o ENEM eram escassos. Na tentativa de driblar essas dificuldades, foi realizada uma campanha, chamada 4G para estudar, a fim de que esses alunos pudessem acompanhar as aulas e não ficasse para trás nos estudos para fazer o exame do Enem. Ademais, por meio do coletivo Jaca contra o Corona, muitas famílias na própria localidade tiveram ajuda não só de kits de higiene, mas também de cestas básicas – já que o estado não cumpre seu papel constitucional de garantir os direitos básicos, mas executa e permanece com sua política de segurança da morte. Além desse pré-vestibular, muitos outros também devem ter passado por esses obstáculos. Pensando nos estudantes, sobretudo negros, favelados, menos favorecidos, o fato deles terem que lidar com a pandemia, que ainda não cessou, com os problemas familiares de renda, além da augustia e ansiedade, é extremamente injusto e desigual manter a data do Enem como está.
A favela também tem direito de ingressar na universidade. Da mesma maneira que alunos brancos, de classe média alta, têm a possibilidade de melhor se preparar para um dos vestibulares mais importantes do país, é preciso garantir que estudantes negros, favelados, com menos condições financeiras, também possam disputar e de maneira igualitária. Há anos foi negado à população negra, moradora de comunidades, educação e ensino. Dessa forma, o mínimo de deve ser feito é investir e proporcionar que cheguem no ensino superior, para que possam cursar uma faculdade pública. Muitos jovens negros, assim como eu, querem ser os primeiros a terem diploma universitário. Como disse Nilma Lino Gomes, em uma fala sua em 2019 na Faculdade de Educação da UFMG, “É tempo de unir e articular todos e todas que entendem que a importância do combate ao racismo como projeto de nação, como um projeto de estado democrático de direito e assuma o seu lugar étnico e político na sociedade e na educação de ser antirracista”.