A lei nº. 12.519 de 10 de novembro de 2011 instituiu no Brasil o Dia da Consciência Negra. A data, válida em todo o território nacional, feriado em algumas cidades do país, é resultado da pressão e mobilização do movimento negro e cria um espaço para reflexão e luta por direitos que se extende por todo o mês de novembro.
A contar da data da abolição, 13 de maio de 1888, já se passaram 135 anos de liberdade, mas não de emancipação do povo negro deste país. Tanto tempo transcorreu e ainda existem lugares que a gente não chegou. Imagina quantas gerações de famílias pelo Brasil ainda sentem cotidianamente os reflexos dessa exploração.
A questão é tanta, de desigualdade e restrição do acesso, que até hoje existem negros alcançando lugares como pioneiros. A cantora Liniker, por exemplo, foi a primeira mulher trans e negra a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Cultura (ABC). Na Academia Brasileira de Letras, nenhuma mulher negra ocupou uma das 40 cadeiras. Desde a sua fundação somente 3 homens negros estiveram no seleto grupo, Machado de Assis que era um de seus fundadores e que, por anos, tentaram embranquecer. E atualmente, Gilberto Gil e Domício Proença Filho.
Ser o primeiro pode ser sim motivo de comemoração e destaque. Quando falamos dos primeiros jovens negros que acessaram às Universidades graças a Lei de Cotas, que teve sua atualização e ampliação publicada este mês, estamos mudando estruturas históricas de exclusão. Quando destacamos descobertas científicas como a doutora formada na UFBA que liderou o primeiro sequenciamento genético do coronavírus no Brasil, Jaqueline de Jesus. Esse espaço de pioneirismo é importante, entretanto, não podemos desconsiderar o tempo transcorrido para que essas conquistas aconteçam.
Contudo, mesmo com uma grandiosidade de pessoas negras excepcionais em diversas áreas de atuação, os espaços de liderança e destaque são ainda difíceis e restritos. Apegados à uma lógica meritocrática, sem considerar o racismo estrutural e institucional, nós negros continuaremos a ter que enfrentar desafios ainda maiores para podermos estar em espaços que reconheçam nossa excelência.
Para isso é preciso que nos permitam a vida. Na última década, 72% dos homicídios foram cometidos contra pessoas negras, no mesmo período essa taxa reduziu 26% no grupo de pessoas brancas. Enquanto quase 80% das vítimas de mortes violentas intencionais forem negros e mais de 50% forem jovens, nossos sonhos e talentos não terão nem a possibilidade de tentar. É preciso garantir oportunidades, com a criação de ações afirmativas que ampliem o acesso às universidades e ao serviço público, com a atualização da Lei 12.990/14 que institui cotas nos concursos, por exemplo.
Neste sentido, é preciso que façamos saudações e reconheçamos a lutas daqueles que não foram reconhecidos à tempo enquanto pioneiros, mas que foram essenciais para as nossas conquistas. Para a sociedade é preciso sempre destacar que nosso espaço não pode ser limitado, somos indivíduos com potencialidades. Falaremos de tecnologia e inteligência artificial, como a cientista Nina da Hora, ou mesmo de cafés especiais, como o Rafael do Café di Preto.
Para os aliados, que acreditam na importância de promover a justiça racial, o mês de novembro deve ser de conscientização. Para nós negros é mais uma data de luta, como tantos outros dias, afinal, permanecemos negros o ano todo.
VINI MACHADO
Coordenador-Geral de Promoção de Direitos da População Negra na Secretaria de Acesso à Justiça, no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Formado em Geografia pela UnB trabalha com educação e direitos humanos. Líder do Mapa Educação e Coordenador da Politize em Brasília. Fundador da Rede de Cursinhos Populares do Distrito Federal e Entorno. Sou cofundador do Projeto Tem Cor no Ensino.