Por: Wesley Teixeira para a Folha de S.Paulo
O antirracismo é a compreensão da estrutura racista e da escravidão como uma forma de organizar as relações humanas, o acúmulo desigual e o Estado com objetivo de controlar. É a compreensão de que há um compromisso coletivo: combater o racismo e garantir humanidade para não-brancos. A questão racial é uma lente de interpretação da realidade e o antirracismo, uma responsabilidade de todos.
Esse debate é a possibilidade da construção de um projeto para todo o conjunto da sociedade e não apenas para pessoas negras e indígenas. É a possibilidade de um projeto que defenda valores de igualdade e combata os que excluem e exploram.
Quem deseja transformar a realidade para todas as pessoas precisa se organizar coletivamente e isso é inegável. Mas alguns modelos de organização social estão em crise, pois foram forjados para uma disputa política institucional contaminada por uma lógica de interesses econômicos para poucos.
É necessário e urgente, portanto, alterações concretas nessa estrutura institucional, que também passem por uma mudança cultural e filosófica das formas ontológicas relacionais. Mudanças essas que sejam baseadas numa lógica pautada na defesa da vida e suas diversidades.
E por falar em transformação, precisamos reverenciar os movimentos negros. Pontas de lança em reflexões fundamentais e profundas. Os maiores atacados por essas lógicas, os negros, querem falar em primeira pessoa e romper com o etnocídio. Esses sujeitos querem o que a eles pertence por direito: assumir a liderança desses processos de transformação social. Querem colocar luz sobre sua cultura, produções acadêmicas, midiáticas e visões religiosas. Querem falar por si e reverenciar suas histórias e potências.
Já a supremacia é a lógica que nos olha de cima. Uma lógica que nega inclusive que no Brasil somos a maioria e, portanto, a partir dessa negação, veta a nossa participação nos mais diversos espaços, como a mídia, política e tantas instituições. É uma lógica que nos tira o direito à voz e à vida. Mas chegou o momento de falarmos por nós, contarmos nossas histórias, recuperá-las, recriá-las. Falar por nós nos coloca no patamar de humanidade. O que é o mínimo, pois é isso que sempre fomos: humanos.
Para alcançar o protagonismo queremos unidade, alianças. Neste momento de crise civilizatória, queremos avançar nas alianças e negociações sinceras e necessárias para a construção desse projeto de garantia de humanidade, voz, direitos e vida.
Como construir esse novo projeto de sociedade baseado no protagonismo e na diversidade? Não tenho as respostas exatas, mas apostaria em algumas: vivência dos territórios e respeito às pluralidades. Aprendi com Edson Cardoso, professor, jornalista e militante do Movimento Negro desde os anos 70, que se retirarmos uma fatia de bolo, encontramos misturado todos os ingredientes das outras fatias. Por isso mantenho o pé firme no chão, sem parar de olhar para o horizonte. Como a árvore que se enraíza, se espalha, cresce em direção ao céu, dá fruto e deixa sementes.
Wesley Teixeira
Morador da Baixada Fluminense, integrante do PerifaConnection, da Coalizão Negra por Direitos e da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito
PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias, é feito por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento. Texto originalmente escrito para Folha de S. Paulo