Por: Wesley Teixeira e Ricardo Lodi para Folha de S.Paulo
Neste ano, celebramos 20 anos de implementação das ações afirmativas na UERJ (Universidade do Estado do Rio Janeiro) e dez anos da aprovação da lei federal que instituiu essas políticas nas universidades federais brasileiras. Fruto de uma ampla mobilização e pressão de movimentos populares, negros e antirracistas, em articulação com os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, as cotas transformaram radicalmente o perfil do corpo discente das instituições públicas de ensino superior no Brasil.
Hoje, esses espaços são mais democráticos, populares e coloridos. Muitas vezes, os estudantes cotistas, grande parte deles negros, são os primeiros de suas famílias a ingressarem nesses ambientes. É notório o sucesso das ações afirmativas, contribuindo para que a presença de pobres no ensino superior público crescesse exponencialmente. Essa ampliação não afetou a qualidade do ensino, argumento utilizado por movimentos anti-cotas, já que cotistas têm em média um desempenho acadêmico similar ou superior aos não cotistas.
As cotas surgem em um contexto de maior consolidação de políticas sociais. Destacamos o Bolsa Família, a política de valorização do salário mínimo, Prouni (Programa Universidade para Todos), o Minha Casa, Minha Vida, o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), entre outros. Tratam-se de iniciativas com objetivo explícito e bem definido de colocar os mais pobres no orçamento público, utilizar os recursos do Estado para enfrentar as desigualdades raciais e sociais persistentes no país e efetivar os direitos assegurados pela constituição de 1988.
O combate às desigualdades educacionais é importante para a realização profissional e social dos indivíduos e, por isso, sempre esteve entre as principais preocupações da sociedade civil organizada. Dessa forma, as cotas precisam ser combinadas a outras políticas de permanência estudantil, como a garantia de bolsas de pesquisa e de extensão e os auxílios de moradia, transporte e alimentação.
A nossa UERJ, pioneira nas políticas de democratização do acesso e permanência estudantil, enfrentou, na última década, uma crise financeira profunda diante do desastre administrativo e econômico do governo de Sérgio Cabral. Além disso, a instituição recebeu ataques de setores aliados do atual governo federal na assembleia estadual, com ameaças e tentativas de desestabilização institucional e propostas de projetos de lei visando o fechamento da universidade.
Nos últimos anos, de uma forma geral, as universidades brasileiras têm sofrido com um estrangulamento financeiro decorrente dos cortes promovidos pelo Ministério da Educação e pelo governo federal, inicialmente com Temer e, agora, aprofundados com Bolsonaro. São os setores antidemocráticos buscando reverter décadas de avanços educacionais.
Por meio de muita luta, a comunidade acadêmica e aliados dentro das instituições políticas, como a própria Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), estão superando dia após dia cada dificuldade colocada para o funcionamento das universidades.
Durante a pandemia, a UERJ buscou minimizar os impactos dela decorrentes criando novos auxílios para combater a evasão estudantil. Disponibilizou cotas de apoio digital, distribuiu 10 mil tablets e 12.000 chips de internet para alunos com renda de até dois salários mínimos, implementou novos convênios para estágios e novas bolsas para alunos e professores darem continuidade às pesquisas, extensões e projetos culturais. A Pró-Reitoria de Políticas e Assistência Estudantis ofertou para os alunos auxílio-alimentação (R$ 300), bolsa permanência para pós-graduandos (R$ 600), auxílio-transporte (R$ 300), bolsa de apoio à vulnerabilidade social (R$ 600) e auxílio-creche (R$ 900). São milhares de alunos negros e pobres beneficiados por essas ações.
Quando transformamos a universidade, transformamos a vida de milhares de brasileiros. Ela é espaço de promoção cultural, produção e troca de conhecimentos, além de símbolo de enfrentamento às profundas desigualdades raciais e sociais que estruturam a sociedade brasileira.
A universidade é do povo!
Wesley Teixeira
Morador da Baixada Fluminense, integrante do PerifaConnection, da Coalizão Negra por Direitos e da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito
Ricardo Lodi
Reitor e professor do programa de pós-graduação em direito da UERJ
PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias, é feito por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento. Texto originalmente escrito para Folha de S.Paulo