O grito de Marielle ecoou, chegou na favela Para Pedro e despertou a poesia na vida do artista Victor Tavares

Victor deseja que sua poesia ecoe por becos e vielas inspirando jovens e crianças a criarem suas próprias rimas

A arte é libertadora e alcança lugares inimagináveis e foi através dela que o Voz das Comunidades chegou até a história do morador da favela Para Pedro, que assina como Victor Tavares, Câmbio desligo! Esse artista de 26 anos tem o dom de tocar a alma das pessoas com rimas e versos, traduzindo as mazelas e alegrias vividas em seu território. Victor sempre gostou de escrever, mas ainda não tinha consciência do quanto seus textos poderiam ser curativos, e poderiam mudar seu espaço, até que uma tragédia nacional, despertou o poeta adormecido.

“Eu sempre gostei de escrever, mas o amor pela escrita aconteceu depois da morte de Marielle Franco. Naquele momento, aquele assassinato tão cruel, foi ali que eu me encontrei, achei meu lugar nesse mundo, enxerguei tudo que estava acontecendo nesse país e assim pude perceber que a arma mais poderosa que eu tinha era a escrita e ela movimenta muita coisa, a partir daí eu comecei a escrever tudo que eu sentia, comecei a ficar mais sensível as coisas que aconteciam ao meu redor.”

Victor Tavares, Cambio desligo! Foto: Acervo pessoal

Outro pilar fundamental para que Victor continuasse sua caminhada foi o apoio da mulher mais importante da sua vida, a Dona Bel, que sempre o apoiou, e acreditou no sonho do filho. Mesmo sabendo que o setor cultural no país não é valorizado, a mãe do rapaz sempre foi a estrutura para que ele persistisse no que ele sabe fazer de melhor. E claro, os amigos, esses estão com ele até hoje e sempre estão lendo seus textos e o incentivando. Por todo esse círculo de afeto, a sua maior inspiração para escrever é o amor, na sensibilidade de seguir a diante, de construir algo para transformar o mundo em um lugar melhor.

O jovem está envolvido com muitas demandas ligadas à cultura, seja no sarau, no slam, numa roda de rap, na produção de um documentário, num espetáculo em cartaz ou num evento social de dentro ou para fora da favela. Ele respira arte 24 horas do seu dia, tanto que criou com amigos o Cultura Parapedrense, que nasce do olhar do Victor em querer buscar mais arte e cultura para dentro do seu território.

A partir daí nasce um concurso de poesia dentro da favela. Victor queria conhecer artistas da favela, queria fazer essa troca, e dentro dessa pesquisa pode perceber o quão rica é a favela do Para Pedro. O concurso está aberto para todos os moradores que queiram trocar uma ideia, criar, trabalhar junto, sempre no objetivo de agregar, construir e fazer a diferença. 

Grupo se encontra para fazer poesia. Foto: acervo pessoal

Falta de recursos e apoio financeiro

Infelizmente, como a maioria dos projeto de cultura, a falta de recursos é o maior obstáculo. O espaço Cultura Parapedrense precisa de apoio e incentivo para ajudar a juventude da favela. O espaço precisa urgentemente de um telhado, material de construção, de escritório e materiais para as crianças e jovens explorarem cada vez mais a arte em toda sua plenitude.

“O Cultura Parapedrense acontece através dessa sensibilidade e percepção que se aflorou. Eu estava andando pela favela do Acari, me deparo com um ponto de cultura, e na hora veio o start de que no Para Pedro, onde eu nasci, sou cria, não tem nada parecido, voltado a cultura, e naquele momento eu precisava fazer algo pela minha favela.”

É nítida toda a paixão do Victor pela arte, que ele classifica como libertadora. Seja na escrita, na atuação, na música, na iluminação ou na dança, qualquer arte o fascina e o deixa mais apaixonado por tudo que faz.

Victor pensou em desistir por conta dos diversos obstáculos, já que viver da arte num país que não respeita a cultura é difícil. Ele persiste e continua. Sem falar do amor por seu território, que também dá forças para prosseguir: “Eu agradeço todo dia por morar nesse lugar, de ter amigos que me apoiam. E eu vou ficar mais agradecido, quando ver o Cultura Parapredence funcionando. Esse dia vai chegar, eu vou conseguir!”

Projetos para a favela

O rapaz tem muitos projetos, sempre pensando na favela. Seja na vida pessoal, como a publicação de um livro que ele já tem o nome e que também está ligado à favela, mais conteúdo nas suas redes, na qual ele sempre publica suas poesias ou seja para favela na qual ele sonha que o espaço de cultura, seja um local em que jovens e crianças tenham acesso a cursos, atividades, leituras, inspirações em um único lugar.

Por conta da pandemia, alguns projetos precisaram parar, mas o objetivo é que assim que acabar voltem as rodas culturais e as obras para o espaço. E assim a favela Para Pedro tenha como referência um espaço de cultura.

“Você precisa insistir, precisa continuar, não é fácil correr atrás, botar a cara, tem dias que é complicado, mas a gente precisa fazer algo, desistir vem à mente sim, mas meu amor pela arte fala mais alto.”

E essa história linda, envolvendo amor pela poesia, favela, Marielle Franco, cultura e arte, só foi possível pois ao lado desse grande artista teve uma mãe, que o apoiou desde criança e professores que o incentivaram, pessoas que viram nesse jovem uma raridade, um dom, um ponto de luz. E Victor fala sobre isso.

“A pessoa que mais me incentivou foi minha mãe, sempre teve do meu lado, sempre entendeu que a arte não tem retorno imediato, que a gente batalha, corre, recebe “nãos”, que é difícil viver na profissão de artista, e mesmo assim ela nunca desistiu de mim. Ela vem e diz “Você é artista! Você não vai fazer outra coisa que não te faz feliz, você vai viver da sua arte e eu vou te apoiar”. Ribamar Ribeiro, meu professor de teatro, foi o pai que eu não tive, me ensinou tanto, me mostrou a arte desde dos meus 16, me levou ao teatro, me fez conhecer o mundo da arte, e o professor Renato Neves, que me fez enxergar como eu poderia ser melhor. Essas três pessoas me fizeram entender que a arte é minha vida e não hobby, a arte está na minha função de vida, sem essas pessoas não existiria o Victor Tavares, Câmbio desligo, eu só seria mais um.”

Poesia que o artista Victor Tavares, Câmbio desligo! fez para Marielle Franco 

Flor do lixo 

Nosso País de merda onde vai parar?

Lastimável sobrevivência de uma ditadura militar.

Uma tentativa de um país honesto termina em homicídio.

Polícia entra na favela pra matar, sem pensar e dá tiro.

Uso de truculência não se faz nem com um marginal.

Abuso de poder é uma lei criminal.

Mais uma mulher sendo vítima de um atentado,

Uma queima de arquivo, como no passado. 

Militarismo, já está na rua, o governo disse que vai resolver,

Chegaram com pé esquerdo, mais uma polêmica os jornais tiveram que escrever.

Jair Bolsonaro eu digo não para presidente!

Calaram a Marielle Franco mas nós temos que estar presente.

Nas nossas casas sentimos medo.

Aguardamos a notícia, que fizeram outra vítima,

Esses monstros do governo. 

Uma flor no meio da escória do lixo,

A Flor não queria virar chorume de tudo isso !

Arrancada pela raiz, por ainda acreditar na honestidade desse país !!!

Víctor Tavares, câmbio desligo!

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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