“Nossos filhos nada fizeram para estarem mortos”; Famílias de crianças vítimas de tiroteios protestam na Lagoa Rodrigo de Freitas

O ato foi organizado pela ONG Rio de Paz, logo após a prefeitura retirar as fotos das vítimas de um memorial em uma área turística
Rafael Henrique Brito/ Divulgação: Rio de Paz

Na último sábado (4), diversas famílias de crianças que morreram vítimas de confrontos nos últimos anos fizeram um protesto na Lagoa Rodrigo de Freitas, na Zona Sul do Rio. A manifestação foi convocada pela ONG Rio de Paz.

Todas as famílias presentes seguravam cartazes com retratos de 49 vítimas. Segundo os manifestantes, o ato, além de ser um grito contra a violência, serviu para cobrar da prefeitura o direito de manter um memorial em uma área turística, considerada uma das regiões mais nobre da cidade.

“Nossos filhos nada fizeram para estar mortos”, desabafa Bruna da Silva, mãe de Marcus Vinícius da Silva, morto aos 14 anos, em 2018, a caminho da escola, durante uma operação policial na Maré, na Zona Norte da cidade.

Além de Bruna, participaram Thamires Assis, mãe de Ester, morta aos 9 anos; Celine Palhinhas, mãe de Lorenzo Palhinhas, morto aos 14; Priscila Menezes, mãe de Thiago Menezes, morto aos 14 anos; Rafaela Matos e Neilton Costa, pais de João Pedro Matos, morto aos 14 anos; Aline e Henrique Gonçalves, pais de Arthur Moreira, morto aos 13 anos; e outras mães e parentes de vítimas, como as Mães de Manguinhos, e integrantes de instituições de Direitos Humanos.

Presença de mães e parentes reforça luta por memória e justiça

“É muito importante participar, pois nossas crianças merecem justiça, e o mais importante: respeito com suas memórias” disse Thamires Assis, mãe de Ester, morta em 2023, em Madureira, quando voltava da escola.

Celine Palhinhas é mãe de Lorenzo Palhinhas, morto aos 14 anos. O adolescente levou um tiro pelas costas, no Chapadão, no momento de uma operação policial na favela, em outubro de 2022. Na época, o menino ainda foi incriminado pela polícia que alegou que o adolescente tinha envolvimento com o tráfico, o que foi negado pela família desde o início do caso e comprovado nas investigações.

“Gostei de estar com outras mães, que eu já conheço dessa luta por justiça, e de estar com o Rio de Paz, que fizeram o primeiro acolhimento quando perdi o Lorenzo, com toda atenção e carinho e que fizeram a placa com nome ele e a foto fazendo que a  lembrança dele seja presente “, disse Celine.

Já a mãe de Thiago Flausino Menezes, de 14 anos, morto na Cidade de Deus em agosto de 2023, lamentou a retirada das fotos de um memorial. Isso porque há uma semana, a prefeitura retirou as fotos que ficavam presas em um gradil e formavam o memorial no trecho da Lagoa, chamado Curva do Calombo. “Achei bem impactante. Quando eu soube que as fotos não seriam colocadas novamente, chorei. Isso mexeu comigo”.

Rio de Paz promete continuar os protestos

De acordo com o fundador da ONG Rio de Paz, Antonio Carlos Costa, as manifestações não vão parar enquanto essas mortes não cessarem. “Era um momento do prefeito nos chamar e dizer ‘olha, a situação é gravíssima. Obrigado pelo que vocês estão fazendo’. Isso não houve. Nós nos sentimos profundamente desrespeitados. Ele vê as imagens nos telejornais dos parentes chorando sobre as fotos aqui e tira tudo. Nós não vamos arredar o pé. E se houver resistência, nós vamos encontrar meios democráticos, pacíficos e criativos de perturbar a cidade. Nós não vamos parar enquanto essas mortes não chegarem ao fim. A gente só não quer conviver com a vergonha de saber que crianças estão morrendo por bala perdida”, afirma Antonio Carlos.

E ainda completou, “e se alguém está preocupado com o turismo no Rio de Janeiro, é importante que seja dito que, nós cariocas, temos que nos preocupar com a imagem do Rio de Janeiro como um todo. E faz parte dessa imagem o caráter da sua população. Uma população que cruza os braços diante desse morticínio torna a vida dessa cidade mais feia. Nós fazemos parte do Rio de Janeiro. Não é só a Lagoa Rodrigo de Freitas, com toda sua exuberância, ou o Corcovado, Baía de Guanabara, a beleza das nossas praias, somos nós, cariocas. Nós estamos emitindo uma nota para o país inteiro: que aqui não é uma sociedade de frouxos, de indiferentes, de covardes, e que não vamos esperar que o problema chegue ao nosso quintal para gritar. Como é que você cruza os braços quando o prefeito, numa atitude de completa indiferença para com os sentimentos da população, toma uma decisão como essa. Nós estamos irados com o que houve, com essas mortes e com o arbítrio, que nos remete para os Anos de Chumbo, para um período da história do nosso país que não queremos que volte mais”.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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