No início de maio, quatro policiais militares foram baleados em Salvador em 24 horas, três deles morreram. O soldado Alexandre José Ferreira foi morto durante uma operação policial no bairro de Águas Claras. Enquanto voltavam do velório do colega, os soldados Victor Vieira Ferreira e Shanderson Lopes Ferreira foram mortos em Fazenda Grande I. Os crimes aconteceram em bairros periféricos de Salvador localizados na mesma região da cidade.
O governador da Bahia, Rui Costa (PT), afirmou em entrevista que as mortes dos policiais seriam respondidas com uso da “força máxima”. Após o anúncio, o policiamento foi intensificado em bairros como Cajazeiras, Fazenda Grande I e Boca da Mata. Durante as operações, três pessoas foram mortas em confronto com a polícia, e outras duas foram baleadas. No mesmo período, Wellington Santos Piedade foi morto enquanto aguardava atendimento médico em uma unidade de saúde do bairro de Cajazeiras. A autoria do crime segue sendo investigada.
Segundo os dados da Rede de Observatório da Segurança, a Bahia é o estado do Nordeste com mais agentes de segurança vitimizados entre 2019 e 2021.
A população de Cajazeiras e bairros da região vivenciaram o medo de represálias e anúncios de toque de recolher em grupos de aplicativos de mensagens. As escolas da região ficaram fechadas. Mesmo diante de denúncias feitas à mídia, a população passa constantemente por situações como as apontadas após a morte de policiais. Esse silenciamento reforça a agenda repressora de segurança pública e a cultura de violência policial.
Mesmo com a visibilidade alcançada pela divulgação dos relatos e denúncias, o poder público não construiu medidas eficazes para promover a proteção dessa população.
O medo e a violência influenciam a vida dos moradores dos bairros periféricos e majoritariamente negros, que podem ou não acessar transporte público, trabalhar e se deslocar pelo território a partir da presença das operações policiais e da violência. Segundo dados do relatório A Cor da Violência Policial, 100% das pessoas mortas em operações policiais em Salvador são negras.
O reconhecimento do racismo como um determinante da violência conduz à constatação de que algumas pessoas têm mais probabilidade de se tornarem vítimas da violência e correm mais risco do que outras.
Os dados sobre segurança pública do estado da Bahia nos permitiriam avaliar as políticas públicas, mas têm sua divulgação negada de maneira recorrente por meio dos pedidos feitos via Lei de Acesso à informação, e são só a ponta do iceberg da falta de diálogo dos poderes públicos com movimentos sociais e organizações da sociedade civil na Bahia.
Mesmo diante da coragem mostrada pelo secretário de Segurança Pública, Ricardo Mandarino, que em entrevista afirmou que o uso de maconha deve ser descriminalizado, a guerra às drogas segue sendo a maior motivação das operações policiais na Bahia.
Ainda que movimentos sociais e sociedade civil organizada venham alertando os governos sobre os problemas relacionados à segurança pública, não encontram canal apropriado de diálogo, o que contradiz o compromisso estratégico com a defesa de uma segurança pública que tenha como principais funções a garantia de direitos fundamentais, a proteção dos cidadãos e a defesa da vida. O enfoque preventivo precisa ser defendido e demonstrado como principal caminho para a redução da violência.
É preciso compreender que a morosidade do sistema de Justiça também é responsável por esse quadro de violência, pela falta de investigação, fiscalização da ação policial e julgamento adequado, além da falta de políticas de reparação para as famílias e comunidades afetadas, o que acaba por constituir um sistema necropolítico tácito.
Uma política adequada de segurança pública também precisa proteger a vida de policiais, trabalhadores formados em táticas de guerra, com objetivo de estabelecer e combater inimigos, utilizando como narrativa a política de guerra às drogas – que acaba expondo a população e colocando policiais em confronto armado com o mercado das substâncias ilícitas.
As intensas ocupações policiais que acontecem nos bairros periféricos a partir da ação armada da polícia devem ser substituídas por uma ação prévia eficaz do Estado com prevenção à violência, promoção de direitos e com ocupações de políticas de educação, saúde e cultura.
Reproduzir a lógica de guerra às drogas só tem apresentado como resultado uma pilha de corpos, além de colocar os agentes públicos de segurança em situação de vulnerabilidade. Mesmo usando o coturno, são vítimas da mesma lógica de ciclo de morte de pessoas negras.
Neste sentido, é necessário repensar inclusive a distribuição do orçamento público diante da distribuição desigual dos recursos da saúde, educação, geração de emprego e renda, redução das desigualdades, esporte, cultura e lazer em relação ao orçamento da segurança pública.
Luciene Santana
Cientista social, articuladora da Iniciativa Negra e Rede de Observatórios da Segurança e colaboradora do PerifaConnection
PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias, é feito por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento. Texto originalmente escrito para Folha de S.Paulo