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Moradores de Manguinhos têm cotidiano afetado por treinamento de tiros na Cidade da Polícia

Na última sexta-feira (22), aconteceu uma assembleia na Associação Ballet Manguinhos com representantes públicos para tentar encontrar solução para o problema
Foto: Vilma Ribeiro/ Voz das Comunidades
Foto: Vilma Ribeiro/ Voz das Comunidades

Favelas do Rio cada vez mais têm se organizado na busca por seus direitos. Esses que, muitas das vezes, não são sequer garantidos. Com isso, Moradores de Manguinhos, Zona Norte do Rio, reuniram-se na sexta-feira (22) na Associação Ballet Manguinhos para pedir uma intervenção do estado na Cidade da Polícia, localizada na mesma região da comunidade.

O motivo é devido ao fato de policiais estarem realizando treinamentos de tiros a céu aberto nas instalações do espaço. Dessa forma, além de trazer insegurança para os moradores, há relatos de casas alvejadas com a suspeita de que as balas tenham partido do estande.

Reivindicação dos moradores

A violência gera diversos impactos no dia a dia das pessoas, principalmente as de favela. Além do frequente risco de vida, a segurança em relação à liberdade de ir e vir fica comprometida, causando transtornos, como o psicológico, a curto, médio e longo prazo.

Voltados para verificar possíveis soluções para a situação, na última sexta-feira, 22 de outubro, moradores da comunidade se juntaram, juntamente com alguns representantes públicos, para debater as consequências do treinamento de agentes na Cidade da Polícia, que tem afetado a vida e o cotidiano deles.

“Antes isso já existia, só que durante a pandemia piorou. Porque as pessoas estão mais em casa. Por conta do histórico do nosso território, as pessoas não sabem se é um confronto ou se é o treinamento realizado. Isso gera uma apreensão muito grande das pessoas. É um medo diário. Isso reflete a desigualdade sócio-urbana do Rio de Janeiro. É impensável que na Avenida Nossa Senhora de Copacabana (Zona Sul) tenha esse problema. Então, por que aqui tem que ter?”. Relatou André Lima, membro do Conselho Comunitário de Manguinhos.

André afirma que a desigualdade social é refletida neste tipo de acontecimento em Manguinhos.
Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

O ideal, segundo eles, é que se tenha um revestimento acústico ou um local apropriado na Cidade da Polícia para treinamentos como esses que são praticados lá.

Impacto em projetos sociais

Um dos principais trabalhos realizados por projetos sociais que atuam nas favelas está na perspectiva de mudar a vida dos seus participantes. O projeto Ballet Manguinhos é um desses agentes de transformação fundamentais na vida de crianças e jovens.

O prédio onde acontecem as aulas de ballet na comunidade fica ao lado da Cidade da Polícia. Segundo eles, na maior parte do tempo, o som da música clássica nos ensaios é abafado com os tiros produzidos a partir dos treinamentos dos agentes. 

Carine Lopes, representando o projeto de dança, esteve presente na reunião
Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

“Além de todos os problemas da pandemia, problemas financeiros, de assistência para ajudar os alunos, não conseguimos prestar de fato o trabalho social de dança e arte, que transformam o ser humano, por conta do barulho (tiros). Muitas vezes, temos que desligar o som e aguardar passar para retomar as aulas. O impacto é ruim, porque se trabalha para mudar vidas, e isso afeta diretamente no sentido contrário do que queremos fazer. Dizem que o favelado é acostumado com tiros. Mas, é o contrário. Temos medos e traumas disso”, falou a coordenadora do Ballet Manguinhos Carine Lopes. 

Pessoas afetadas 

Um(a) morador(a) que não quis se identificar, por medo de uma possível repressão, relatou à equipe de reportagem do Voz que a caixa d’água da sua casa teria sido atingida por um dois projéteis. A testemunha mora próximo a Cidade da Polícia. No dia do ocorrido, ele(a) se certificou que não havia confronto na comunidade no instante em que sua caixa d’água foi atingida.

Guilherme Pimentel, Ouvidor Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, esteve presente na reunião das lideranças e moradores do Manguinhos e também comentou sobre a situação. “Direito à segurança só nos interessa se for para construir segurança do direito, quando a segurança viola direitos, ela não é segurança, ela é insegurança”. O ouvidor afirmou que vai buscar os estudos levantados na reunião para colaborar na solução do problema. Mas, é um início de uma caminhada difícil, segundo ele.  

Guilherme ressaltou a importância dos meios públicos estarem abertos para ouvir os moradores de favela.
Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

Em meio a este processo, o que fica em jogo é a saúde mental dos principais afetados. Diversos estudos apontam que a violência nas favelas provoca fatores psicossociais na vida dos moradores. Como, aumento do medo de morrer, que pode resultar em um crescimento da ansiedade, ocasionando um agravamento no transtorno ansioso. Isso podê ser constatado em pesquisa realizada no Complexo da Maré (onde foi mostrado por meio de dados que 31% da população adulta têm a saúde mental afetada por episódios de violência).

Grazielle Nogueira é integrante do projeto Favela Terapia. Diante da situação, ela comentou sobre como a forma violenta e irresponsável do Estado pode afetar a vida dos moradores de favelas do Rio. “Você tem medo de tiro, porque sabe que a balada perdida existe, mas você naturalizou isso porque é a realidade que você se encontra. Entendemos que isso causa o adoecimento mental. Por que você vai deixar de ter medo de algo que possa te matar? Toda vez que a gente pensa que a violência armada é a ausência de estruturas sociais afeta a saúde mental desse território. Isso se torna urgente”.

Nesta quarta-feira (27) será o dia de enviar o ofício do contato dos parlamentares, com o presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, André Ceciliano (PT), para mediar a situação dos treinamentos de tiro na CIdade da Polícia. 

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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