Mesmo após anos de luta por direitos, trabalhadora doméstica ainda é desvalorizada

O trabalho doméstico é desempenhado majoritariamente por mulheres (92%), das quais 65% são negras, de acordo com a última pesquisa do IBGE
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

27 de abril é dia de Santa Rita, conhecida no catolicismo por ser a padroeira das empregadas domésticas, o que deu origem ao Dia da Empregada Doméstica. Apesar de ser uma data comemorativa, é um dia para lembrar da luta por direitos e melhores condições de trabalho dessas mulheres. O trabalho, que teve sua origem no período colonial do Brasil, só foi regulamentado em 2015, garantindo mais sete direitos às trabalhadoras domésticas. O projeto, chamado de PEC das Domésticas, tramitava no Congresso Nacional desde 2013, ano em que alguns direitos foram concedidos, como a jornada de trabalho de 8h por dia, totalizando 44 horas semanais, passando a ter direito à hora extra.

De acordo com os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o número de pessoas ocupando cargo de trabalho doméstico caiu de 6,3 milhões, em 2019, para 4,9 milhões, em 2020. Desse número, 92% eram mulheres, das quais 65% eram negras. Além disso, o número de trabalho doméstico informal ainda é muito maior que o de carteira assinada. Para ter uma ideia, ainda de acordo com o IBGE, em 2019, 1,6 milhão trabalhavam com carteira assinada, e 4,3 milhões sem carteira assinada. Em 2020, os números de ambos caíram: 1,1 milhão com carteira assinada contra 3,4 milhões sem. 

A historiadora Letícia Rocha, que tem como pesquisa o tema “A Organização Política das Trabalhadoras Domésticas do Rio de Janeiro”, pontua que o trabalho doméstico era majoritariamente desempenhado por mulheres. “Com o fim da escravidão, e com o intuito de manter o ex-escravizado em posição de subalternidade, os negros foram impedidos de ocupar postos de trabalho que possibilitavam acumular riquezas e adquirir terras, restando apenas funções mal remuneradas e vistas com pouco prestígio, tal qual o trabalho doméstico”, explica a historiadora. 

Letícia Rocha tem como pesquisa “A Organização Política das Trabalhadoras Domésticas do Rio de Janeiro”
Foto: Baraúna

“Ou seja, não foi o escravismo que manteve as mulheres negras trabalhadoras em funções domésticas, e sim a maneira racista e discriminatória que se organizou a sociedade brasileira depois da abolição”, finaliza Letícia. 

Personagens da vida real

A cearense Raimunda Fernandes de 64 anos se aposentou como empregada doméstica, a contragosto de suas patroas, vale ressaltar. Moradora do Morro da Providência, ela é natural de Ibiapina, um município com pouco mais de 25 mil habitantes. Raimunda chegou ao Rio de Janeiro com 19 anos e já desempenhou funções de auxiliar de serviços gerais, babá, entre outros. Ela começou a trabalhar em seu último emprego em 2011, no bairro de Ipanema, na Zona Sul do Rio, como diarista, e só teve sua carteira assinada em 2013. 

Começou ganhando R$ 1200 por mês para limpar, lavar, passar, cozinhar, passear com os cachorros e o que mais lhe fosse solicitado. Sete anos após, em 2018, já para se aposentar, ganhava R$ 60 a mais do que quando começou. “‘Se você vem trabalhar aqui é sua obrigação levar os cachorros na rua’, ela dizia para mim”, contou Raimunda sobre sua ex-patroa. A aposentada conta que tem artrose e é cega de uma vista; problemas de saúde que se intensificaram nesse emprego. “Tem muita coisa que é melhor nem falar, sofri muito naquela casa. Só eu sei, mas me aposentar foi a melhor coisa da vida!”, desabafou.

Raimunda conta que se aposentar foi a melhor coisa da vida
Foto: Arquivo pessoal

Bruna Neves, de 22 anos, é moradora do Complexo do Alemão e, assim como Raimunda, exerce a função de empregada doméstica (não só) em Ipanema, há 1 ano e meio. “Eu sei que sou nova para o trabalho, mas nossa realidade é diferente, tem que ir atrás de alguma coisa”, explica, ao falar sobre sua pouca idade. 

Bruna, além de doméstica, é babá, ou seja, uma outra função, o que, infelizmente, é muito comum, tendo em vista que contratantes querem funcionárias multitarefas sem pagar o justo. “Eu madrugo para chegar na hora e nosso trabalho nunca é valorizado. Acabo fazendo mais do que eu deveria e nem um agradecimento eu recebo. O salário que eu ganho não é compatível com o que eu faço”, conta Bruna, que limpa, lava, passa, cozinha e cuida da criança. 

“Uma vez eu precisei sair cedo para uma emergência, mas não me liberaram. Nem um ‘obrigada’ eu recebi por aquilo”, pontuou Bruna, que tem um filho de 4 anos que fica na creche enquanto ela trabalha, já que sua mãe também trabalha e não tem com quem deixar o menino quando o trabalho a prende. 

Compartilhe este post com seus amigos

Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram
WhatsApp

EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

Contato:
[email protected]