A cantora Maru 2D, 26 anos, é a nova aposta do rap feminino. Contratada pela gravadora Nada Mal em 2023, ela fala sobre sua trajetória como cantora e as dificuldades que enfrentou ao longo do caminho.
Maru, conta que na sua casa educação sempre foi uma prioridade, “eu gosto de falar sobre educação, porque eu sempre fui incentivada a estudar, principalmente pela minha mãe”. Ela ressalta como esse a sua criação a encorajou a sonhar “Eu sonho com o impossível. Eu acho que é isso, tem muito a ver com a minha criação e em como a minha mãe quis que a gente fosse, que nós fossemos pessoas pretas sonhadoras. Que a gente (Maru e o irmão) conseguisse sonhar com além das bordas e das margens que colocaram sobre a gente”, diz a cantora.
Crescendo no Catumbi, ela relembra o medo constante que sua mãe tinha de vê-la e ao irmão seguirem pelo mesmo caminho que muitos da comunidade. A matriarca, sem condições de se mudar para outro lugar, sempre fez o possível para garantir o básico para seus filhos, como alimentação, e muitas vezes se sacrificava para que eles tivessem o que comer. “Minha mãe sempre fez de tudo que ela pôde para que a gente tivesse o básico, se a gente tivesse que comer miojo com feijão, é miojo com feijão, mas não faltava comida”, conta Maru.
Com o apoio de sua mãe, que sempre sonhou com um futuro melhor para os filhos. Ela fez o ensino médio com técnico em hotelaria, seguiu sua trajetória acadêmica, fazendo um tecnólogo em Processos Gerenciais, com bolsa de 100% pelo Prouni (Programa Universidade para Todos). “A educação, para nós, tem um valor muito grande, porque é um espaço que sempre foi negado para nós (negros), e especialmente para as pessoas da periferia”, afirma. Destacando a importância de ocupar esses espaços, Maru atualmente é formanda em odontologia pela UFF (Universidade Federal Fluminense).
O interesse pela odontologia surgiu por conta de um problema de saúde que a avó de Maru teve em decorrência da diabetes. Enquanto a artista cuidava da avó, submetida a diversas amputações, a área da saúde começou a se tornar um interesse. Inicialmente pensou em medicina, mas achou inviável pelo custo do curso, mesmo em uma universidade pública, por conta dos materiais.
O pai de Maru 2D é protético, “eu já tinha um convívio com a prótese, porque sempre que meu pai podia, quando ele trabalhava sábado, como minha mãe estava exausta, ele pegava a gente e levava para o trabalho dele. E na tentativa de fazer, a gente fica quieto, colocava a gente para fazer ou ver alguma coisa que ele está fazendo ali (…) eu acompanhei o processo da prótese e como ele fazia, eu lembrava que tinha muitos detalhes. Eu falei assim, “caramba, tem odontologia, eu sou familiarizada com a prótese, talvez eu me saia bem”, contou a rapper. Foi nesse momento que Maru decidiu que se inscreveria para odontologia.
Ela conta que passar em uma universidade pública sempre foi um sonho, tentou a aprovação por dois anos seguidos. Na primeira vez, ela estava iniciando o tecnólogo, mas não conseguiu passar, quando viu o resultado, falou com sua mãe: “se eu não passar na federal, eu vou começar a trabalhar em algum lugar no shopping”. A decisão ia além de uma simples reprovação, a cantora ficava pensando o quão caro seria se manter em uma instituição particular.
Além disso, ela fala sobre ter começado a ter vontade de ter coisas, que já não tinha mais jeito de pedir aos pais. “Quando você vai ganhando uma certa idade, você não consegue mais pedir as coisas para os seus pais. Você vê todo sacrifício que sua família está fazendo para te manter em uma faculdade e tudo mais, você não consegue mais pedir nada, pedir para comprar. Às vezes você viu um tênis maneiro, você quer comprar”, relata. Maru complementa: “eu costumo até dizer para algumas pessoas que tentam colocar a gente dentro de um estereótipo de favelado, a gente gosta de moda, a gente gosta de roupa cara, a gente gosta de ver coisas caras e sonhar com aquilo: eu quero comprar tal coisa.”
Já no seu segundo ano consecutivo em busca de uma vaga, ela foi aprovada na UFF. Ela lembra da reação quando viu o resultado: “nem acreditei, o meu falecido cachorro, coitado, abracei o cachorro. Ele ficou doido que eu dei grito porque eu estava esperando ansiosa o resultado, quando saiu eu falei, não acredito, meu Deus”.
Ela conta como as bolsas ofertadas foram essenciais para a permanência dela dentro da universidade “foi outra luta lá dentro, graças a Deus dentro da faculdade a gente tem bolsa de desenvolvimento, bolsa de estudos, tem bolsa maternidade. Depois que me tornei mãe, comecei a ganhar bolsa também, porque eles entendem a dificuldade que é você ser mãe, em ser uma acadêmica em um curso que é tão caro”, relata Maru. A cantora contou que ainda assim, a família se juntava parcelava os materiais necessários e dividia o pagamento.
O interesse pela música
O interesse pela música sempre esteve presente na vida dela, mas a instabilidade com o futuro da profissão fazia com que ela mantivesse esse sonho adormecido. Mesmo assim, a cantora frequentava rodas de rimas pela cidade “eu ia pra roda de rima da Vila Isabel, ia pra roda da Lapa, ia pra roda de Botafogo, ia pra roda da Glória, eu estava em todas as rodas”, fala Maru.
A cantora começou a escrever alguns funks que chegou a gravar posteriormente, mas por muito tempo acreditou que seu caminho na música se limitava a esse estilo musical. “Eu fazia minhas músicas, mas eu não mostrava pra ninguém, deixava guardado, sabe? Sabe quando a gente tem aquela sensação de que tá ruim”, conta a artista.
Maru 2D conta que certo dia fez um funk que achou muito bom, conversando com um amigo resolveu mostrar. “Eu estava cantando pra esse amigo, ele falou “nossa sua voz é tão bonita não sei o que, porque você não tenta fazer música e escrever?” Eu falei: eu tenho um funk, mostrei para ele, que respondeu assim “cara, tenho um amigo DJ, eu vou mandar teu áudio, ele vai fazer uma montagem.” Em um dia tinha um funk ali e o rapaz lançou o funk no Soundcloud”, disse a cantora.
Foi a partir desse momento que Maru 2D começou a ser vista como artista, essa primeira música foi para o youtube e apesar de não ter bombado em visualizações, fez com que outros DJ’s a conhecessem. Ela chegou a lançar um segundo funk, que foi ao Spotify. Com vontade de produzir cada vez mais músicas e com acesso restrito a estúdios por conta do preço cobrado, ela se juntou com um amigo que estava começando a montar uma produtora.
Maru conseguiu ir gravar no estúdio, “Eu gravei uma música que eu falei, essa aqui é a que vai me deixar rica, era a música hit”. Porém, as coisas não foram como esperavam: “a música sumiu, os caras do estúdio que captaram deram um jeito, falaram que sumiu, a música tinha até instrumento”, conta a Maru. O acontecimento acabou deixando ela um pouco desanimada.
Com objetivo de animar a cantora, seu amigo arrumou o primeiro show para ela se apresentar. “Eu fiquei com medo, não fui fazer um show porque tinha vergonha de subir no palco, de cantar em público, de errar. Meu amigo dizia “você tem que perder isso”. Falei: cara, a gente pode ir trabalhando ao longo do tempo, mas eu não vou conseguir ir nesse show”.
“Minha mãe nunca brigou, não. Mas ela falou assim, você vai cantar, mas vai ter estudar”
Ainda no primeiro ano de odontologia, Maru engravidou, assim que descobriu a gestação só conseguia pensar que o sonho tinha chegado ao fim. Continuar no funk não era uma opção para a cantora, entre risos, ela explica o que pensou na época: “daqui a quatro anos, minha filha vai ouvir essa pouca vergonha que eu tô falando e vai tomar um susto. Aí eu pensei assim: não é isso que eu quero, não é isso que eu quero que minha filha entenda sobre mim e parei de fazer funk”.
“Minha mãe sempre foi uma mulher negra, batalhadora que fez de tudo pra eu e meu irmão seguirmos um caminho do bem”
Dois anos após ter a filha, o irmão da cantora, que sempre acompanhou ela compondo, estimulou que ela voltasse a ativa, “ele falou assim, eu invisto em você”, porque eu falei não, mas não tem dinheiro para ir para estúdio” . Como Maru não queria cantar funk, o irmão sugeriu o trap “Eu falei assim, não, mas eu tenho a Aisha (filha), aí ele: “não, faz trap, você não gosta, você não ouve?”. Ela conta que sempre foi muito fã do Caio Lucas, cantor de rap, por isso a ideia do irmão.
Com isso ela começou a entender mais sobre como fazer rap e trap. Até que um dia inaugurou um bar na esquina em que Maru morava, ela conta que ver todos os moradores do Catumbi reunidos e se respeitando para aproveitar o fim de semana a inspirou a escrever. “Eu fiquei muito feliz com aquilo, porque eu sempre quis estar envolvida em um ato revolucionário. Trazer essa sensação de união para o Catumbi, todo mundo se respeitava enquanto morador e curtia o mesmo lugar. Era tirar um pouco da tristeza que a gente vivia. Aí eu pensei assim: cara, eu preciso escrever sobre o que está acontecendo”, detalha Maru.
Quando lançou a música, muitos moradores começaram a curtir e compartilhar, o fenômeno aumentou ainda mais quando o dono do estabelecimento repostou o vídeo no instagram do bar, que tinha mais visibilidade.
Maru observou como os compartilhamentos estavam altos, contou para seu irmão sobre a mobilização de seus vizinhos. A artista detalha a ideia que o irmão teve: “Ele falou assim: eu vou te dar R$50,00, você vai tirar foto dessa nota e vai postar no seu Instagram dizendo que você vai dar o dinheiro para quem mais compartilhar o reels da prévia”. A cantora ficou sem acreditar que as pessoas iriam aderir a campanha, mesmo assim tentou: “Uma menina compartilhou com mais de 100 pessoas, ela gravou a tela, ganhou, não tinha mais ninguém conseguindo bater ela. Ao comentar com seu irmão, ele disse: não é só por R$50,00, as pessoas querem te ajudar”.
Maru 2D conta que quando entendeu que poderia fazer o mesmo, começou a compartilhar sua música com todas pessoas que ela poderia imaginar. Até que conversando com o pai de sua filha, ele comentou que seu barbeiro cortava o cabelo de Felipe Ret e prometeu que falaria com para mostrar a música da cantora para o cantor e dono da gravadora Nada Mal.
A artista não levou muito a sério “Pensei assim: é tanta coisa na cabeça das pessoas, não vai mostrar, mas falei: mas tenta, não deixa de mandar não”. Ela já havia enviado o vídeo para Ret e Anezzi, também dono da Nada Mal, mas eles não tinham visto. Para sua surpresa, quando menos esperava, olhou para o celular e encontrou a seguinte mensagem: “Brabo”.
Depois da reposta, Maru aproveitou para conversar com o empresário e se surpreendeu novamente quando Ret a seguiu no Instagram: “eu dormi quando eu acordei: “Felipe Ret seguiu você”. Falei: “NÃO, éÉ MENTIRA!!”, eu fiquei dois dias olhando o perfil dele para ver o “segue você”. Mas não parou por aí, o cantor tambem compartilhou a musica de Maru em seus stories, “eu lembro que quando o Ret compartilhou meu reels de esquina, eu gritei tanto que eu fiquei um mês rouca”, conta a cantora.
Com o tempo, começou a frequentar alguns eventos a convite do Ret e já era apresentada como artista da Nada Mal. “Quando eu vi, estava sendo contratada pela Nada Mal, lançando Tropa do Mantém como o primeiro single na gravadora”, conta Maru.
Ela foi a primeira mulher a ser contratada pela gravadora, ela conta que se sentia um pouco descredibilizada quando foi para o trap porque não acompanhava outras mulheres, “eu não via mulheres, eu não ouvia mulheres também, e eu era. muito preocupada com isso, pensava: “caramba, eles não vão dar atenção para mim estar nesse lugar aqui”, lembra Maru.
“Eu vou envelhecer e vai ter que ter alguém me representando aqui também, eu não posso ser a primeira e a última a morrer”
Maru 2D
Hoje, a cantora se alegra ao saber que é uma inspiração e que abre portas para outras meninas. “Eu recebo muita mensagem no meu Instagram de meninas que se sentem representadas por mim, não só pela música, mas por estar ocupando um espaço dentro de uma gravadora tão grande quanto é a Nada Mal. Isso traz esperança para outras meninas como eu, em diversos âmbitos da vida e outras áreas de trabalho também, não só da música. É muito importante estar aqui, principalmente com essa, com essa crescente da cena feminina”, afirma a cantora.
Ela falou sobre a importância da cena feminina no rap brasileiro e o peso a ser carregado. “As nossas letras não são 100% vazias, como algumas pessoas acham, eu gosto de falar, de falar sobre futilidade algumas vezes, mas a gente sempre acaba falando sobre algo mais profundo, mesmo que seja só um ponto da música”, fala Maru. Ela acrescenta: “tem sempre uma letra profunda ali, porque o rap aqui no Brasil é justamente isso, a gente consegue representar e se aprofundar em camadas dentro de uma letra”.
A cantora também fala sobre a responsabilidade e que se surpreende com a força de sua voz. Ela conta que algumas fãs enviam mensagens sobre como a música mudou a vida delas, de forma que a cantora nunca imaginou: “lembro que eu recebi alguns ao longo desse ano, que menina falou que a minha música tirou ela da depressão. Eu fiquei assim: “meu Deus do céu”, o quão forte eu sou para tirar alguém da depressão só com a minha voz?” Ela não me viu, ela não me vê, a gente não conversou, ela só me ouviu algumas vezes e saiu da depressão, sabe? Isso me tocou no lugar muito profundo”, revela Maru.
Neste ano, Maru foi escolhida como influenciadora do programa AMPLIFIKA, do Spotify. A participação envolveu a divulgação das ações do projeto e o apoio às iniciativas voltadas para o desenvolvimento de artistas e criadores no cenário musical brasileiro.
Sonhos e planos para os próximos anos
Agora, Maru 2D está focada no futuro de sua carreira, com grandes planos e ambições. Ela sonha em conquistar um Grammy Latino, e sabe que está mais perto disso do que jamais imaginou. “Eu sonhei várias vezes com isso. Eu quero alcançar isso junto com o Ret”, revela. A colaboração com artistas como Ret é uma das metas de seu próximo passo, e ela acredita que a música pode evoluir ainda mais se houver uma maior integração com músicos multi-instrumentistas. “O rap e o trap podem ser mais ricos. A música não precisa ser apenas suja, podemos investir em outros elementos”, argumenta.
Maru 2D se mantém fiel ao que sempre acreditou: “Eu quero ser vista. Eu quero que o mundo me veja”, diz. A artista agora está em uma fase de autodescoberta e de se entregar à sua arte. Com a sua formatura na faculdade de odontologia, a rapper planeja se dedicar ainda mais à música no próximo ano e se consolidar enquanto artista.
‘Meu Vulgo’: lançamento mais recente da cantora
Recentemente, Maru 2D lançou “Meu Vulgo”, uma faixa que surgiu de uma fase de pressão pessoal, mas que, ao ser criada, fluiu naturalmente. “Eu estava me cobrando muito e, então, veio o produtor com o beat. Eu coloquei os fones, escrevi o refrão, e depois terminei a letra na pracinha enquanto minha filha brincava”, relembra. A música foi um sucesso, e ela ficou surpresa com a repercussão positiva. “Quando ouvi de novo, percebi que estava braba”, diz, orgulhosa do resultado.
Questionada sobre o que diria para Maru do início da carreira, quando ainda cantava funk, ela responde: “Eu tenho vontade de dizer para ela que ela poderia ter acreditado nela antes. Eu não acreditava em mim dentro da música. Então eu queria ter acreditado em mim antes. Talvez eu tivesse dado certo antes, talvez eu tivesse, se eu tivesse acreditado seria outra Maru 2D. Acho que as coisas acontecem no tempo de Deus, mas não dá para colocar 100% da culpa em Deus sempre. Eu acho que se eu tivesse acreditado um pouco mais em mim, a minha história agora, no momento, seria outra. Mas é isso, eu estou disposta a fazer tudo o que eu não fiz”, afirma a cantora.