A história de cinco projetos do Morro da Providência virou livro. De autoria da jornalista Patrícia Gaudêncio, ‘Providências – um panorama da atuação de coletivos na primeira favela do Rio de Janeiro’ será lançado no próximo domingo (21), no Museu de Arte do Rio, na Zona Portuária da cidade. Em entrevista exclusiva ao Voz das Comunidades, a autora respondeu a algumas perguntas sobre sua escolha de tema e seu processo de criação.
Gaudêncio não é moradora da Providência, mas é vizinha: mora no Morro da Conceição. Para quem não conhece, a relação entre ambos é bem íntima, podemos dizer, até mesmo por conta da proximidade – entre Gamboa e Saúde, no Centro. Nessa relação de pertencimento e curiosidade, a obra, além de contar sobre os projetos desenvolvidos nesta favela do centro da cidade, a jornalista apresenta a trajetória de algumas das pessoas que estão à frente dessas iniciativas.
‘Providências’ é, sobretudo, um convite especial para se desmistificar a favela e o favelado, revela Gaudêncio.
Voz: Você é moradora do Morro da Conceição, vizinho do Morro da Providência. Foi a partir dessa intimidade com o território que você decidiu escrever sobre a primeira favela?
Patrícia: Sou moradora do Morro da Conceição e toda história do território, que inclui a Pequena África, é de grande interesse para mim. Ao longo do curso de Jornalismo, privilegiei trabalhar pautas relacionadas à região em diferentes práticas laboratoriais. Durante uma produção de matéria para o jornal Marco Zero da Universidade UNINTER, trabalhei a questão da atuação de coletivos em favelas do Rio de Janeiro, no momento mais crítico da pandemia de Covid-19. E foi com esse trabalho que me inteirei mais a respeito de inúmeras iniciativas desenvolvidas na Providência, o que me chamou a atenção. Pude constatar ali o tanto de iniciativas que partem de dentro da própria favela para atender às inúmeras demandas do território. Desde então, comecei a pensar de que forma poderia contribuir para compartilhar com a sociedade essas histórias que não estamos acostumados a ver pautadas no jornalismo do cotidiano, em que predomina a narrativa que caracteriza a favela tão somente como um lugar de violência e escassez.
Voz: Como foram escolhidos estes cinco projetos e por quê?
Patrícia: Em um primeiro momento percebi que são muitos os projetos em andamento na Providência. Atualmente, há cerca de 20 projetos. Este livro-reportagem foi desenvolvido em caráter de trabalho de conclusão de curso, com isso havia um cronograma (apertado) para o desenvolvimento. Como minha intenção era me aprofundar nas histórias de projetos sociais e, mais que isso, nas histórias das pessoas ligadas a esses projetos, entendi que precisava delimitar uma quantidade de projetos e personagens de maneira que conseguisse atingir o prazo já estabelecido. Entendia que não seria proveitoso falar sobre muitos projetos apenas fazendo pequenas notas a respeito deles. E daí, fechei o número de cinco projetos. A escolha se deu pelo foco principal que cada um tinha, de maneira que não se repetisse. E para cada projeto decidi que contaria a história de pelo menos dois personagens; um no sentido de representante, líder ou idealizador e um outro como voluntário ou beneficiado.
Voz: Quando um novo livro sobre favela é lançado, as pessoas criam algumas expectativas. Então, o que os leitores podem esperar? Mas, também, o que definitivamente não devem esperar?
Patrícia: Os leitores poderão contar com uma contextualização a respeito do processo de favelização da cidade, bem como a história da favela da Providência; um panorama a respeito de inúmeras iniciativas desenvolvidas ao longo dos tempos no território (pela visão de um morador da favela). Podem, também, contar com as histórias de pessoas que vivem na favela e se dedicam para atender às demandas do local, em práticas que vão muito além do assistencialismo. Muitas vezes no próprio território há pessoas que desconhecem essas atuações. Fora desse núcleo então, a grande maioria ignora. E é mais do que urgente ampliar as narrativas sobre a favela para além do que o jornalismo do dia a dia nos apresenta. Enquanto comunicadores, é urgente que provoquemos a sociedade a pensar na favela como um espaço heterogêneo, onde habita todo tipo de pessoa com inúmeros talentos. Então, nesse livro o leitor não vai encontrar histórias que reforcem estereótipos a respeito da favela e do favelado, porque isso está, infelizmente, de maneira recorrente nos jornais.