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IBGE divulga dados de Favelas e Comunidades Urbanas e revela que três das 20 favelas mais populosas do Brasil são cariocas

Capital fluminense é também o município com mais favelas e comunidades urbanas no Estado do Rio, alcançando a marca de 813, seguida de Niterói com 83, e São Gonçalo com 63
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

Três das 20 maiores favelas do Brasil em número de moradores são cariocas: Rocinha em primeiro, Rio das Pedras em quinto e Jacarezinho em décimo sexto. A capital fluminense é também o município com mais favelas e comunidades urbanas no Estado do Rio, alcançando a marca de 813, seguida de Niterói com 83, e São Gonçalo com 63. Em todo o estado, são 1.724 favelas e comunidades urbanas. Estes são alguns dos dados referentes ao ‘Censo Demográfico 2022: Favelas e Comunidades Urbanas: Resultados do universo’, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nesta sexta-feira (8), na Areninha Cultural Herbert Vianna, localizada na Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro.

A pesquisa ainda encontrou 12.348 Favelas e Comunidades Urbanas no Brasil, onde viviam 16.390.815 pessoas, o que equivalia a 8,1% da população do país. Em 2010, foram identificadas 6.329 Favelas e Comunidades Urbanas, onde residiam 11.425.644 pessoas, ou 6,0% da população do país naquele ano. De acordo com o instituto, esse aumento pode ser explicado também pelo aperfeiçoamento tecnológico na operação censitária e um maior conhecimento do território, melhorando a captação das informações sobre essa população no período intercensitário. Então, a comparação dos resultados entre os dois Censos, para as Favelas e Comunidades Urbanas, deve considerar esse contexto e ser feita com cautela. 

Letícia Giannella, pesquisadora da Gerência de Pesquisas e Classificações Territoriais do IBGE, contou que o trabalho concluído a emocionou muito, e enfatizou que não é um clichê “O que apresentamos aqui é fruto de muito trabalho, realizado em condições quase nunca ideais”, afirmou. Ela destacou que o mapeamento das favelas e a identificação das características de suas populações são elementos essenciais para guiar as políticas públicas e as ações estatais. “Agora, temos evidências que precisam orientar ações efetivas com foco na realidade dessas comunidades”, acrescentou, ressaltando a satisfação de ver o projeto ser concluído e entregue à sociedade.

Letícia Giannella, pesquisadora da Gerência de Pesquisas e Classificações Territoriais do IBGE
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

Para a pesquisadora, o compromisso do IBGE é a produção de informações que retratem a sociedade brasileira em sua totalidade, sem deixar ninguém para trás. Segundo Giannella, o objetivo é avançar cada vez mais nas especificidades das pesquisas  de um país tão complexo e dinâmico. “O IBGE é o único órgão brasileiro que mapeia, identifica e caracteriza cem por cento do território nacional, o que demanda um esforço tremendo”, destacou. 

Flavinha Cândido, moradora da Maré e pesquisadora do Dicionário de Favelas Marielle Franco, subiu ao palco para destacar a relação fundamental entre dados e favelas, que orienta seu trabalho. “Favelas e dados têm tudo a ver”, afirmou. Segundo ela, a parceria entre o Dicionário e o IBGE, juntamente com a Secretaria Nacional de Periferias, para nacionalizar o projeto, foi essencial para ampliar a visibilidade do acervo que, até então, permanecia mais restrito ao Rio de Janeiro.

No início deste ano, o IBGE anunciou a mudança do termo “Aglomerados Subnormais” para “Favelas e Comunidades Urbanas”. Flavinha pondera: “Carolina Maria de Jesus dizia que a memória só é viva quando damos nome, e Marielle também sempre defendeu a importância de verbalizar nossa história e nossa favela”, explicou. Em sua fala, Flavinha ainda mencionou que, embora o termo “direito à cidade” já seja amplamente conhecido, a realidade para os moradores de favelas é outra. “Nós, que somos moradores de favela, sabemos que não temos direito à cidade; só temos o direito de trabalhar nela. Não somos considerados cidadãos”, afirmou, reforçando a luta pelo reconhecimento e pelo pertencimento.

Secretaria Nacional de Periferias

Júlia Bittencourt é diretora de Secretaria de Urbanização Integrada, Regularização e Qualificação de Territórios Periféricos da Secretaria Nacional de Periferias e enfoca no papel das favelas na criação autônoma de políticas públicas integradas e eficazes, que vão além das tradicionais políticas setoriais. “As instituições segmentam a realidade em caixinhas para dar conta dela, em políticas setoriais. Mas as iniciativas que surgem nas comunidades para dar conta do cotidiano não são segmentadas, porque o cotidiano é um só”, explica. “Nas comunidades, você tem exemplos de políticas que são integradas, ações que dialogam com os problemas de forma completa, e isso é política pública, só que promovida pela própria comunidade”, afirma, reforçando o papel da secretaria de visibilizar e fortalecer essas iniciativas, tratando-as como inspirações para políticas públicas.

Segundo Bittencourt, os dados recentes do IBGE são essenciais para o desenho de políticas específicas de infraestrutura e regularização fundiária voltadas para as favelas. “Quando temos dados atualizados sobre um problema, conseguimos ver onde há carências e disputar recursos em Brasília para resolvê-las”, ressaltou a diretoria. A decisão do IBGE de retomar o uso do termo “favela” foi considerada um avanço importante, mas há ainda muitas especificidades a serem estudadas para que se compreenda plenamente as demandas desses territórios.

Ela exemplificou, ainda, a complexidade dos desafios de infraestrutura ao comparar as demandas de diferentes áreas: “É muito diferente você colocar esgoto em uma área de palafita ou em uma área de morro”, destacou, reforçando a importância de entender onde estão localizadas as carências para desenhar soluções adequadas. Além disso, os dados ajudam a estabelecer “correlações complexas”, como relacionar a incidência de problemas respiratórios à falta de ventilação nas casas. “Esses dados, ao juntarem informações de diferentes origens, nos permitem criar estratégias específicas e realmente eficazes”, concluiu.

Censo Maré 2022

Coordenador do Censo Maré, Dalcio Marinho explicou como a iniciativa começou. De acordo com ele, ao atualizar a malha cartográfica da Maré e iniciar, no ano seguinte, o censo de empreendimentos econômicos, surgiram dois importantes resultados. “A gente fez o guia de ruas da Maré, onde identificamos até logradouros sem nome”, contou. Ele também destacou a listagem dos novos CEPs criados recentemente, que a população nem sabia da existência, e que foi um esforço conjunto com os Correios. “O guia de ruas da Maré teve toda essa desvantagem corrigida”, afirmou. Com isso, a Maré passou a contar com uma malha cartográfica atualizada, que serviu como base para o censo.

Marinho continuou explicando o andamento do Censo Maré, que começou com o mapeamento de empreendimentos econômicos, resultando em um catálogo que reuniu informações sobre a economia local. “O catálogo tem as estatísticas sobre a economia presente na Maré e também uma lista de serviços e produtos, similar às antigas páginas amarelas, com endereço e contato”, explicou. Em 2012, o projeto avançou para o censo populacional e domiciliar, com a coleta de dados realizada em 2013. Desde então, o projeto continuou com o tratamento, a tabulação dos dados e a divulgação dos resultados, compartilhados com parceiros até a publicação oficial em 2019.

O trabalho de coleta e análise foi um esforço contínuo desde 2010. “Os dados começaram a ser disponibilizados internamente para parceiros a partir de 2014 e passaram a integrar materiais de divulgação e outros projetos”, contou. Ele ressaltou a importância de todo esse processo, que gerou um grande volume de informações que ainda é utilizado para ações e pesquisas na Maré.

O coordenador do Censo Maré explicou que o objetivo do Censo Maré nunca foi competir com o IBGE ou contestá-lo. “Pelo contrário, nós utilizamos a mesma metodologia deles, que foram nossa referência”, afirmou. No entanto, ele destacou que, devido à sua escala nacional, o IBGE não consegue abordar as especificidades de uma favela como a Maré. A análise produzida em 2019 foi, portanto, toda comparativa com os dados publicados pelo IBGE sobre a cidade do Rio de Janeiro e o Brasil. Para não descartar dados, mas somá-los, Marinho enfatizou que a proposta era que “existisse comunicação entre os dados”.

Ele explicou ainda que essa análise foi pensada para que “os dados da Maré comunicassem também com os dados das demais favelas, das demais realidades do Rio e do Brasil”. Dalcio finalizou destacando o impacto positivo dessa abordagem: “Era esse IBGE que a gente queria ver, porque, com isso, começa a contribuir na democratização do acesso aos dados.”

Confira o ‘Censo Demográfico 2022: Favelas e Comunidades Urbanas: Resultados do universo’ clicando aqui.

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Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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