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‘Eu só sei falar do Caso Acari. Eu sou parte do Caso Acari’; 34 anos após a chacina, Estado não cumpre o prometido às famílias das vítimas

34 anos depois, 7 das 11 vítimas continuam sem certidão de óbito e nenhuma família recebeu reparação material e apoio psicológico do Estado
A chacina originou o movimento Mães de Acari, uma das maiores referências na luta contra a violência policial no Rio. Foto: João Roberto Ripper/ Acervo Anistia Internacional

34 anos são 408 meses. São também 12.418 dias e equivale a 298.044 horas. Esse é o tempo que Aline Leite de Souza, irmã de uma dos jovens desaparecidos na Chacina de Acari, espera por justiça. Cristiane Leite de Souza, irmã de Aline, tinha apenas 17 anos e foi uma das 11 vítimas.

A Chacina de Acari foi um dos episódios mais tristes e trágicos da história do Rio de Janeiro. O crime aconteceu no dia 26 de julho de 1990, na favela de Acari, Zona Norte da cidade do Rio. Na época, onze jovens foram sequestrados por policiais, que faziam parte de um grupo de extermínio, e levados para um sítio em Magé, município da Baixada Fluminense. Três dias depois do desaparecimento desses jovens, o carro utilizado no sequestro foi encontrado queimado e com marcas de sangue. Os jovens, que não tinham nenhuma relação com o crime, nunca mais foram vistos.

“Nada mudou nesses 34 anos. Parece que estamos ainda em 1990, quando as mães iam nos lugares em busca dos corpos dos seus filhos e sem resposta alguma do Estado, sem que o Estado desse suporte pra que algo fosse feito e solucionasse o caso”, conta Aline, irmã de uma das vítimas.

Hoje, com 40 anos, Aline tenta por em palavras a dor que ainda ronda as famílias. “Eu só tinha 7 anos quando tudo isso aconteceu e eu cresci com essa dor, eu não sei falar de outra coisa se não o caso Acari, eu sou parte do caso Acari, mães de acari faz parte da minha vida”, desabafa a Gari.

Aline Leite de Souza, irmã de uma das vítima da chacina de Acari. Foto: Lula Aparício/ OAB-RJ

Após o crime, as mães das vítimas criaram o coletivo Mães de Acari, que é identificado como um dos maiores símbolos de resistência e luta por justiça e memória de pessoas que foram vítimas de violência policial no Rio de Janeiro. “É muito mais do que ter uma irmã desaparecida, é ter uma família desestruturada psicologicamente e financeiramente. A minha mãe saiu do seu emprego para fazer o trabalho que deveria ter sido feito pela polícia na época, que era investigar o caso”.

Corte internacional

Diante da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o Estado Brasileiro foi denunciado em dezembro de 2006 pela violação dos direitos dos artigos 4º, 5º, 11, e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos, em razão da não investigação e do descaso do Estado Brasileiro, através dos seus agentes da justiça em apurar e responsabilizar aqueles responsáveis pelo sequestro e desaparecimento dos 11 jovens, inclusive com o arquivamento do inquérito sobre o caso em 2010. 

Em 22 de julho de 2021, a CIDH transmitiu um Relatório Sobre o Mérito ao Governo Brasileiro reconhecendo as violações de direitos humanos ocorridas no caso e elaborando recomendações de medidas a serem tomadas pelo Estado Brasileiro e estabelecendo um prazo para que o mesmo informe que medidas foram adotadas.

Diante da ausência de cumprimento das recomendações pelo Estado Brasileiro, em maio de 2022, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos apresentou o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O órgão, autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), considerou que as vítimas sofreram um desaparecimento forçado nas mãos de agentes do Estado e que problemas na investigação levaram à falta de elucidação do caso.

A decisão recomendou que os familiares das vítimas sofram reparações materiais e apoio psicológico, entre outras medidas. E que o trabalho promovido pelas Mães de Acari seja preservado.

Mães de Acari realizam protesto pelo crime que vitimou 11 jovens em 1990
Foto: Reprodução

Aline contou que também em 2022, na presença do deputado André Siciliano, então presidente da Alerj, foi sancionada uma lei que dava reparação as famílias das vítimas com um memorial, atendimento médico e psicológico, reparação financeira e um pedido de desculpas do Estado as vítimas por todos esses anos sem respostas. Porém essa lei nunca saiu do papel.

Um grande questionamento das famílias das vítimas é por que das 11 vítimas da Chacina de Acari, somente 4 conseguiram a certidão de óbito. O governo brasileiro nunca justificou por que não emitiu certidão para as outras sete vítimas. “É inadmissível que não se tenha até hoje um documento para confortar as vítimas e dizer que realmente tiveram seus filhos e familiares mortos”, desabafa Aline. A equipe do Voz das Comunidades entrou em contato com a Polícia Civil para entender melhor o caso, mas não obteve resposta.

Relembre o caso

A Chacina de Acari aconteceu no dia 26 de julho de 1990, na favela de Acari, Zona Norte da cidade do Rio. Na época, onze jovens negros foram sequestrados por policiais, que faziam parte de um grupo de extermínio, e levados para um sítio em Magé, município da Baixada Fluminense. Os jovens nunca mais foram encontrados.

Ao longo das investigações, testemunhas relataram que cadáveres foram jogados no rio Estrela e até devorados por leões em um sítio que pertencia a um ex PM. Buscas foram feitas nos dois locais, porém, não resultaram na localização de restos mortais.

Três anos após desaparecimentos, a mãe de uma das vítimas foi assassinada no centro do Rio. Edméa da Silva Euzébio integrava o grupo das Mães de Acari e tinha denunciado o envolvimento do grupo de extermínio. Em 15 de janeiro de 1993, ela estava com a sobrinha Sheila da Conceição quando foi morta a tiros por volta de 17h30 na estação Praça Onze do metrô. O crime também nunca foi esclarecido.

Imagem: Le Monde Brasil – Diplomatique

O processo relativo à chacina foi arquivado em 2010. No mesmo ano, as mortes de Edméa e Sheila tiveram a investigação interrompida. Mas o depoimento de uma nova testemunha fez com que o caso fosse reaberto em 2011, o que levou PMs a serem denunciados pelos assassinatos. Em abril de 2024, a Justiça do Rio de Janeiro absolveu os PMs acusados das mortes de Edméa e Sheila. A absolvição se deu pela alegação de ausência de provas.

Sem respostas para o paradeiro de seus filhos, mesmo 34 anos depois, as Mães de Acari cobram as instituições e investigam o caso por conta própria, levando suas denúncias para outros fóruns e organizações no Brasil e até mesmo em outros países.

Quem são as vítimas da chacina

  • Viviane Rocha, 13 anos
  • Cristiane Souza Leite, 16 anos
  • Wudson de Souza, 16 anos
  • Wallace do Nascimento, 17 anos
  • Antônio Carlos da Silva, 17 anos
  • Luiz Henrique Euzébio da Silva, 17 anos
  • Edson de Souza, 17 anos
  • Rosana Lima de Souza, 18 anons
  • Moisés dos Santos Cruz, 31 anos
  • Luiz Carlos Vasconcelos de Deus, 37 anos
  • Edio do Nascimento, 41 anos

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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