Por: Ariel Freitas para a Folha de S.Paulo
“Dizem que só falo das mesmas coisas, é a prova que nada mudou, nem eu, nem o mundo”. Pois é, Djonga (rapper autor do trecho acima), dizem que nós falamos sempre das mesmas coisas, mas essa é a prova verbal que ainda nada mudou. Nas vésperas de mais um ciclo eleitoral, a frase do artista de Belo Horizonte casa perfeitamente com o cenário padrão deste período: campanhas políticas direcionadas a um discurso de construção social mais justa. Entretanto, à esquerda ou à direita – e também ao centro – a composição majoritariamente branca das articulações que pretendem governar o país apontam que não há espaço ou uma certa prioridade para as pautas que envolvem a maior parte da população brasileira: a negra.
Como uma música, a verdade, mesmo que repercuta de maneira repetitiva e enjoativa, não deixa de carregar o seu conteúdo. Desta forma, é importante evidenciar que ao mesmo tempo que a distância para as próximas eleições (cerca de quatro meses) diminui, aumenta o afastamento das principais lideranças brasileiras com as pautas relacionadas ao povo preto e periférico.
Atualmente, a população do Brasil é formada por 54% de pessoas consideradas negras, de acordo com a última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Quando há um espaço “pintado” por cidadãos brancos ou um silêncio “emanando” de quem é classificado apto a liderar o executivo a partir de 2023, demonstra que mesmo com a dependência dos votos afrodescendentes para quem deseja se eleger à nível federal exista, não há a oferta de um lugar à mesa para essa parcela de brasileiros. Para nós, pretos, apenas uma lacuna e promessas tão vazias quanto a representatividade do nosso povo no plano estratégico e de atuação dos principais candidatos ao Planalto Federal.
Hoje, as principais demandas estruturais do Brasil passam pela perspectiva de raça. Entre os motivos disso, está a crise econômica e social agravada pela pandemia do coronavírus e a péssima gestão do presidente Jair Messias Bolsonaro (PL), que segundo a pesquisa Genial/Quaest possui 59% de rejeição. Dentro de todos as etnias, a negra foi a mais afetada nos últimos dois anos em decorrência da covid-19, como aponta o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada sobre as consequências no trabalho de mulheres, jovens e negros.
Sem a presença de pretos no plano estratégico de quem concorre nas eleições deste ano, como pensar que as problemáticas da população afro serão ouvidas ou resolvidas? Como reverter o quadro da linha de pobreza das mulheres negras chefes de lares de 63% (IBGE) no país sem a voz ativa de uma? Há intenção de diminuir o encarceramento em massa dos homens negros, que hoje representam 66,7% dos presos, dois a cada três (Anuário Brasileiro de Segurança Pública) com ausência de um na gestão? E sobre a evasão ou interrupção escolar dos jovens negros durante a pandemia que alcançou 45% (Desigualdade na educação brasileira: ressignificação do abandono escolar no contexto de pandemia, 2022)?
Como o loop de uma faixa favorita, não há espaço para a população negra na mesa. Já que o desemprego que alcança 72,9% desta parcela não permite muitas refeições durante o dia para ela. Em meio ao tom repetitivo e necessário, é necessário a voz ativa de pessoas afrodescendentes na construção do país.
Ariel Freitas
Jornalista na Voz das Comunidades e colaborador do PerifaConnection.
PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias, é feito por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento. Texto originalmente escrito para Folha de S.Paulo