Quatro crias, um sonho: a dança. Todas elas são do mesmo lugar, Morro da Providência, mas seus destinos se cruzaram no bairro vizinho, Santo Cristo. Tudo na Zona Portuária do Rio, conhecida também como Pequena África. Na verdade, duas delas são irmãs, e podemos dizer que foi como tudo começou. Ou não. A primeira companhia de dança da primeira favela do Brasil é símbolo de profissionalismo e contrafluxo, colocando território e ancestralidade em foco. É o verdadeiro ‘Efeito Urbano’, que existe há 13 anos, e merece ser celebrada neste 29 de abril, Dia da Dança.
A companhia foi fundada por Ellen Costa, de 40 anos, e Juliana Mello, 34. Conta também com as integrantes Luiza Gonsalves e Jennifer Mariana, ambas de 24 anos. Além da companhia, há também o projeto ‘Hip Hop Feito o Efeito’ que oferece aulas gratuitas de diferentes ritmos afrodiaspóricos para os moradores da região. “Tudo começa na companhia”, enfatizam as fundadoras. As aulas são, desde sempre, uma demanda orgânica dos moradores do território.
Ellen é a diretora executiva. Ah, e irmã da Jey. Graduada em Turismo e pós-graduada em Gestão Cultural, ela é uma estudiosa sobre políticas culturais. “Eu digo que sou organizadora do caos”, brinca, falando sério. E explica que a companhia é quem alimenta o que é o instituto: “A companhia é a mãe. A gente não queria dar aula, porque dá um trabalho terrível, mas a conexão com o território foi se estreitando mesmo sem querer”.
A real é que a coletividade sempre foi uma realidade do Efeito Urbano. ”Se o morro não reconhecer o Efeito Urbano, não faz sentido ser reconhecido lá fora. Se não é reconhecido aqui, você vai ser referência para quem? Se não tiver identidade do território não tem sentido”, completa. “Hoje em dia, conseguimos pagar nossos professores, todos periféricos, de maioria negra, de diferentes gêneros e corpos”, complementa Ellen.
Ellen (esq.) e Juliana… Foto: Uendell Vinícius / Voz das Comunidades…fundadoras da companhia Efeito Urbano Foto: Uendell Vinícius / Voz das Comunidades
Juliana Mello é a diretora artística. Ah, e casada com Ellen. Dançarina e coreógrafa formada por projetos sociais, ela já rompeu as fronteiras brasileiras com sua arte, junto do Galpão Aplauso. “A primeira vez que eu pensei em ser bailarina foi assistindo a um quadro do Faustão. Tinha uma galera do Rio se apresentando com danças urbanas”, e talvez tenha sido aí que a dançarina nasceu. Ela foi aluna do antigo José Bonifácio, atual Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (MUHCAB), e chegou a dar aula aos 18 anos para 60 alunos, em uma escola particular.
Juliana enfatiza que a primeira companhia de dança da primeira favela é matriarcal. “Não foi proposital, aconteceu. Não sabíamos que éramos a primeira companhia. Além disso, somos uma companhia matriarcal. Não que os rapazes estejam excluídos, mas estamos posicionadas, não tem como isso não ser político”, afirma. “A Dança ao mesmo tempo que é generosa, ela também é muito firme. Muitas pessoas escolhem a Dança, mas a Dança não escolhe muitas pessoas”, finaliza, sem deixar dúvidas sobre a posição do trabalho que elas executam.
Jey Mariana (em cima) e Luiza Gonsalves (embaixo) durante ensaio Foto: Uendell Vinícius / Voz das Comunidades
“Aprendi que a Dança por ser trabalho, pode ser representatividade. O Efeito Urbano é o início de muitos jovens que querem ser bailarinos, mas não têm condições de pagar pelas aulas, que não são baratas. Meu sonho é que os dançarinos pudessem ter mais possibilidades e acessos.”
Luiza Gonsalves, integrante da companhia
“O Efeito Urbano representa o princípio, meio e fim para o meu processo artístico. A porta e a janela que abriram para mim, que sempre sonhei em ser dançarina e a Ju é minha mestra. Uma das coisas que mais quero é reconhecimento para a classe da Dança.”
Jey Mariana, integrante da companhia
Breve história
Agora vamos lá: Jey começou a frequentar os encontros de ensaio livre de danças urbanas que Juliana começou a organizar com um amigo. Estes encontros aconteciam em um prédio da Igreja Católica, atrás do antigo mercado do Santo Cristo, cedido pelo padre da época. Ano de 2011. “A Careny (irmã do meio de Ellen) levava a Jey com 11 anos para essas aulas e voltavam 10 horas da noite. Fui lá ver o que era”, relembra Ellen Costa, irmã de Jey.
Ela conta que, chegando lá, identificou Juliana como liderança do grupo e começou a produzir para que, de um grupo de amigos que se encontravam, se tornasse uma companhia de dança. Na primeira apresentação que fizeram para a igreja que cedia o espaço, o grupo percebeu: precisavam de um nome. Então, em agosto de 2011 nascia oficialmente a primeira companhia de dança da Providência.
Até que, depois de quase 10 anos sobrevivendo do próprio corre, sem ter lugar fixo, deixando a companhia em segundo plano e se desdobrando para fazer a dança acontecer, o Efeito Urbano consegue o primeiro edital. “Na pandemia, em 2020, conseguimos o edital através da Lei Aldir Blanc, que sacudiu a gestão pública na época. Foi a primeira vez de muitos projetos”, explica Ellen.
Hoje, apesar de todo o preconceito e falas que subestimam um grande projeto liderado e composto por mulheres negras de favela, o Efeito Urbano continua trabalhando com excelência representando e conectando o território à ancestralidade.
Hip Hop Feito o Efeito
Charme, Dança Afro, Dancehall, Hip Hop e Jazz Funk. Essas são as aulas de dança que acontecem de terça a quinta-feira, no Centro de Artes Efeito Urbano (CAEU), na Rua do Livramento, pé da Providência. E todas têm algo em comum: a cultura negra. Todos os cinco professores são de origem favelada ou periférica.
Para Ellen, é importante que os alunos se reconheçam no professor. “A fala é simples, mas o exemplo é transformador”, aponta. A diretora executiva do instituto ressalta, ainda, que a tríade é: território, raça e gênero guiam o instituto.
Dança Afro, com Caten Foto: Frederick Assis / Efeito UrbanoDancehall, com Gábri Foto: Frederick Assis / Efeito UrbanoHip Hop, com Tavares Foto: Frederick Assis / Efeito UrbanoJazz Funk, com Pietra Foto: Frederick Assis / Efeito UrbanoDança Charme, com Crislayne Marques Foto: Frederick Assis / Efeito Urbano
Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.