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Da educação à política, as cotas antirracistas são necessárias

Parte dos recursos dos fundos partidário e eleitoral terá que ser reservado para candidaturas negras
Foto: Pedro Ladeira / Folha Press
Foto: Pedro Ladeira / Folha Press

Por: Biatriz Santos para Folha de S.Paulo

Não é de hoje que a população negra sofre com a falta de inclusão em várias esferas da sociedade e, não por acaso, a exclusão dessa população está intrinsecamente relacionada à manutenção do poder concentrado majoritariamente em mãos brancas.

O marco ocorrido em 13 de maio de 1888 não passou de uma bela “mentira cívica”, sustentada e reformulada continuamente pela falácia da democracia racial. Isto fez com que caminhássemos a passos lentos enquanto nação mesmo diante da urgência expressa nas reivindicações do movimento negro brasileiro para que o Estado reconhecesse o racismo como pilar estruturante das relações sociais e do vetor de desigualdades e que sua prática fosse classificada como crime.

Apesar da atual Constituição de 1988 reconhecer o racismo como crime inafiançável e imprescritível, os passos continuaram lentos visto que apenas em 2001, no Congresso de Durban, o Brasil compreendeu que era preciso criar medidas compensatórias aos danos causados aos afro-brasileiros.

Uma das grandes conquistas das reivindicações do Movimento Negro Brasileiro, outrora presente também nas exigências do TEN (Teatro Experimental do Negro), coordenado por Abdias do Nascimento, e ainda atual nas reivindicações do movimento negro contemporâneo, foram e ainda são as cotas.

Embora implementadas nas universidades públicas em 2012, por meio da Lei 12.711, como medidas de ação afirmativa, as cotas nunca deixaram de ser contestadas. Não se pode negar o efeito avassalador que as cotas tiveram no combate às desigualdades no Brasil, o que em parte explica o medo dos que se colocam contrários a ela, pois foi possível criar fissuras em uma estrutura de caráter elitista e segregacionista que se encontrava historicamente a serviço da elite branca do país, enegrecendo a produção e a reprodução do saber.

A experiência tão positiva das cotas nas universidades foi suficiente para que houvesse outros avanços semelhantes na política por meio do tensionamento de parlamentares negros e organizações sociais, em especial a Coalizão Negra Por Direitos.

O que era apenas um projeto de lei em discussão, apresentado pela deputada federal Benedita da Silva (PT), já vigora e é válido para as eleições do ano corrente. Os partidos políticos terão que reservar recursos dos fundos partidário e eleitoral de forma proporcional para campanhas de candidaturas negras, como forma de garantir maior representação do grupo racial que, embora maioria no país, sempre esteve sub-representado.

Assim como o início das cotas nas universidades, os boicotes e as tentativas de fragilizar os direitos adquiridos pela população negra se repetem. Uma das estratégias de usurpar as cotas para candidaturas negras é o fenômeno da “afroconveniência”, no qual pessoas lidas socialmente como brancas decidem por bem fazer um resgate às suas raízes ancestrais, mesmo cientes dos privilégios que carregam.

O racismo à brasileira se manifesta das mais violentas maneiras, principalmente na marginalização dos sujeitos, colocando pessoas negras à margem do acesso às políticas. Agora, essa estratégia tem sido utilizada dentro dos partidos políticos visando pleitear uma fatia da quantia reservada para as candidaturas negras e, lamentavelmente, em alguns casos por aqueles que sempre se mostram aliados na luta antirracista.

A pré-campanha para as eleições de 2022 já começou com declarações antecipadas da negritude. Contudo, somos nós negras e negros, filiados e ativos nos partidos políticos, que sentimos na pele o peso das falas racistas, do não lugar, da falta de reconhecimento partidário, e de sermos os não vistos como candidaturas potentes. Somos nós que não somos pautados como prioridade, ao passo em que somos usados para manter a imagem de falsa pluralidade democrática e elevar as impressões positivas sobre os partidos “antirracistas’’.

No caso das fraudes nas cotas de candidaturas negras, por muitas vezes a conveniência e conivência andam juntas. Isso porque para alguns partidos legitimar sujeitos não negros como tal ajuda a impulsionar as candidaturas preferenciais, seja no final das contas ou do fechamento das cotas. Onde estão os antirracistas dentro dos partidos políticos?

Proponho a vocês, que se colocam como nossos aliados, para que se apresentem sem se camuflar de afrodescendentes ou assumir posições de neutralidade, pois não há. Sejam coerentes com o que discursam, comecem pela defesa do que é determinante no combate ao racismo partidário, necessário para maior representação de negros e negras em cargos eletivos. Estamos próximos de mais um momento de redefinições no cenário político em que não há espaço para neutralidade, é preciso se posicionar e contestar práticas rasteiras tradicionais naturalizadas nas entranhas partidárias, pois com a manutenção do racismo não há democracia!

Biatriz Santos
Ativista do Movimento Negro e militante pelo Coletivo de Juventude Negra Cara Preta e Coletivo Favelas Camarás. Nas eleições em 2020, disputou a vereança na cidade de Camaragibe (PE) pelo PT.

PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias, é feito por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento. Texto originalmente escrito para Folha de S. Paulo

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PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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