Da CDD a Joinville: Irmãos conquistam bolsa de estudos em renomadas escolas de balé

Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

Meninos negros de favelas cariocas estão dominando o balé mundo afora. Dois exemplos são Luís Rego, do Complexo do Alemão, e Jonathan Batista, da Cidade de Deus, que atualmente dançam nos palcos dos Estados Unidos. Já adultos, foram descobertos na infância em projetos sociais e se tornaram inspiração para bailarinos da nova geração, como Rhael Nícolas Guimarães Simon, de 9 anos, e seu irmão Arthur Marcílio Guimarães Souza, de 14. E, vejam só, eles também são crias da CDD, na Zona Oeste da cidade. Alunos da Academia de Dança Valéria Martins, os dois conquistaram bolsas de estudos em renomadas escolas de balé, em Joinville (SC). O mais novo inicia este ano na Escola do Teatro Bolshoi, que fica a menos de dois quilômetros da Germana Saraiva Escola Internacional de Ballet, onde o mais velho está matriculado.

Arthur e Rhael são alunos da Academia de Dança Valéria Martins, na Cidade de Deus Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

Rhael, um contorcionista nato – que confessa ter aprendido vendo na TV – faz balé há dois anos, mas começou na ginástica. Ele relembra que Ana Alice, uma das professoras da academia de dança, o fez mudar de ideia. Metódico e entusiasta do balé clássico, quando está dançando, Rhael diz que a única coisa que passa pela sua cabeça é o próximo passo. “Eu penso em tudo que eu tenho que fazer.” Talvez tenha sido assim que passou pela audição do Bolshoi com tranquilidade. “Não fiquei nervoso, nem com medo, até porque a Valéria sempre fala para mim: ‘o medo faz você desacreditar que pode’”, assegurou.

Arthur saiu do futebol para entrar no balé, o que o fez enfrentar preconceitos. Há apenas um ano no balé, ele foi o único de sua faixa etária a passar para a segunda fase do Bolshoi, que o convidou para uma vivência de uma semana. Sugeriram, então, que ele fosse para a Germana Saraiva adquirir mais experiência e tentar no ano seguinte a bolsa para a escola da maior companhia de balé do mundo. “Como estou há apenas um ano, não tenho tanta técnica. Então decidiram me indicar para uma escola próxima, para que eu me aperfeiçoasse e, quem sabe, ingressar no Bolshoi em 2026”, compartilhou.

Arthur, de 14 anos, está no balé há apenas um ano e agora é aluno da Germana Saraiva Escola Internacional de Ballet
Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

Valéria Martins, fundadora do projeto social, define a dupla com um substantivo: resistência. “Eu acho que não tem como você pegar dois meninos com as histórias que eles têm de vida, criados por uma mãe solo – porque é ela que se vira nos 30 para dar tudo por nós – e não falar que eles não são resistência. Garotos novos que enfrentam tiroteio atravessando a favela inteira para fazer balé. O sistema todo está dizendo para eles que não, mas conquistaram o sim”, declarou ela. 

Por falar em resistência e excelência no balé, Arthur cita Mercedes Batista, a primeira bailarina negra a integrar o corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, para pontuar como o protagonismo negro no balé tem batido de frente com o racismo histórico da dança clássica. “Ela foi uma protagonista. Nessa época, se uma bailarina negra ótima competisse com uma bailarina branca mediana, eles escolheriam a branca, somente por conta da cor. Mercedes conseguiu provar que sua pele escura não fazia dela menor”, afirma o bailarino, que se inspira por histórias de superação.

Rhael, de 9 anos, faz balé há dois anos e agora é aluno da Escola do Teatro Bolshoi
Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

Para Rhael, que ainda é novo no debate, é importante ter pessoas diferentes no balé, para poder ter mais confiança. “Eu acho que inspira outras crianças. A minha prima Alice falou que queria fazer ginástica mas que ela não ia conseguir. Eu falei para ela que, no começo, eu também achei que não fosse conseguir, mas hoje eu estou aqui. Ela também conseguiu.” E o pequeno grande bailarino deixa um recado: “Não podemos desistir porque a desistência pode se tornar a realização”.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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