Em destaque em palcos internacionais, a atriz Alitta, recebeu o prêmio de Melhor Performance no Radikal Jung Festival, no Teatro Volkstheater, em Munique, na Alemanha. A peça “A Noiva e o Boa Cinderela” estreou em 2023, na França, durante a Première do 77º Festival D’Avignon. O reconhecimento no mundo do teatro, se mostra pela importância de ser a primeira atriz trans negra indicada ao Prêmio Shell como Melhor Atriz.
Considerada “Dama do Teatro” da sua geração pelos críticos. Alitta é multifacetada: diretora, dramaturga, atriz e cantora. Além disso, a multiartista é nascida e criada na Rocinha. Sua história com a arte começou cedo. Sua mãe a levava para aulas de flauta e violino. Depois, na adolescência, em um jantar com sua professora, foi comentado sobre a Escola de Teatro Martins Pena, que ela começou a fazer parte com formação técnica para Ator/Atriz.
A maturidade artística coincidiu com sua construção enquanto mulher trans: “Quando eu era Blackyva (nome artístico antigo), eu assumia uma militância forte, de confronto e parou de fazer sentido. Durante a minha direção do “The face of ball”, passei a conviver com as minhas [mulheres trans e travestis] e me sentia em casa, tinha acolhimento e troca, era uma criação coletiva. A partir do momento em que eu mudei meu nome no RG, eu passei a ser Alitta nos palcos e em vida. Quero falar sobre minhas vivências, coisas naturais, boas. Dialogar com as minhas, focar nessas pessoas, na minha galera.”
As vidas de travestis e mulheres trans são antigas, há uma ancestralidade, o caminho foi percorrido para que outras pudessem viver: “Eu penso que esses caminhos já estavam sendo abertos, porque antes de mim vieram muitas trans negras lutando por espaço, por respeito e oportunidades dignas de trabalho nas artes. Então, chegar até uma premiação tão importante como essa, não é só um trabalho feito por mim, é um trabalho que é anterior e damos continuidade a esse trabalho”, agradece a artista pelo reconhecimento.
“A indicação na categoria de Melhor Atriz me pegou muito de surpresa, porque foi algo que eu jamais imaginei em toda a minha vida, me senti muito feliz e honrada com o olhar do júri para o meu trabalho enquanto atriz no espetáculo Chega de Saudade (Aquela Cia) onde interpretei a cantora de Bossa Nova Nara Leão, e da sensibilidade no olhar de entender que uma travesti não tem só uma cara, um forma, um jeito. Que somos diversas”, a atriz destaca.
O teatro e a arte são ferramentas de transformação de uma realidade e também, um exercício de direitos. Alitta enfatiza a importância da arte em sua vida: “Aos poucos foi me tomando conta e me trazendo questões como gênero, enquanto uma mulher trans, trazendo mais lucidez sobre questões raciais e ao mesmo tempo fazendo com que eu tivesse vontade mesclar cada vez mais os universos.”
A Rocinha foi fundamental na construção da bagagem cultural da diretora Alitta – moradora da Via Ápia – que dirige “Cinderela da Rocinha”: “Queen costuma chamar [a Rocinha] de “Big Apple das Favelas” porque ela não para, sem contar que dá pra nascer, crescer, viver e morrer sem sair de dentro da Rocinha, porque ela é um mundo.” Além disso, conta um pouco sobre o movimento do funk: “o Funk, que é um ritmo urbano vindo da favela, existe uma estética no modo de se vestir e no modo de agir, um olhar mais apurado do que há de bom e ruim também.”
Cinderela da Rocinha é seu mais recente trabalho, a história é protagonizada por um playboy que se apaixona por uma favelada em um baile na Rocinha. Em suas produções, a dramaturga sai do roteiro pré-estabelecido sobre corpos e identidades de gêneros, busca caminhos outros, que percebam a existência das pessoas no cotidiano, para naturalizar e aproximar também. Numa perspectiva de humanizar as narrativas, trazendo uma potência de verdade. “Minha arte é de verdade!”, esclarece Alitta.
Alitta é questionada sobre o que ela espera sendo uma referência no teatro. Ela responde. “Quero que as pessoas me vejam e acreditem que é possível, vai dar certo!”, motivada conta Alitta. E conclui suas ambições. “Incluir mais pessoas trans pretas e indígenas, maioria homens, estejam em cena mostrando todo o seu talento e glória. E o principal sempre foi mostrar o talento dessa galera, e não as mazelas e o sofrimento, tudo aquilo que já é retratado de forma massiva, gerar renda entre a gente”, conclui.