A mudança no algoritmo sobre a Comunidade do Fumacê está acontecendo. Se, há uns anos atrás, o Google mostrava apenas tráfico e violência sobre a favela de Realengo, agora esses temas estão disputando a narrativa com a Cultura que existe dentro da comunidade. Uma prova concreta é a obra ‘Comunidade do Fumacê’, idealizada por Bruno Black, que vai estar presente na Bienal do Livro 2023.
O livro compila histórias do território narradas por 39 moradores, de 11 a 98 anos. Entre eles, Carla Moraes, de 46 anos, que escreveu também a história que Dona Dedé, sua mãe, costumava contar para ela. Para além de escritora, Carla foi uma das organizadoras do livro.
O objetivo é mostrar a beleza, resgatar e documentar a memória afetiva que existe no Conjunto Habitacional Presidente Costa e Silva, construído há mais de 50 anos para moradia militar, mas que acabou sendo oferecido pelo governo para famílias removidas de favelas do Complexo de Acari.
Também se faz presente no livro uma matéria do Voz das Comunidades, escrita há seis anos, sobre a origem do nome ‘Fumacê’. “Foi a primeira matéria positiva que fizeram daqui”, aponta Bruno Black.
Foi nessa comunidade de nome curioso que nasceu, há 42 anos, o idealizador não só dessa, mas de quase vinte obras lançadas. Black relembra que seus pais sempre fizeram questão que ele tivesse acesso à Arte e Cultura. Além de acesso à natureza de Itaguaí, conta ele, de onde já voltou até com cobra – já morta, ok? – para mostrar aos colegas.
Essa mesma criança que amava literatura e bichos selvagens se tornou, além de poeta, uma referência na Comunidade do Fumacê. “Eu não sou um Drummond, nem quero ser. Eu sou um agente literário focado em despertar o dom das pessoas. Esse livro mexeu com a autoestima da comunidade. E com a minha. Uma autoestima promovida pelo olhar de esperança”, comenta Black. Bem, é como ele sempre diz: “Se tens um dom, seja!”.
Questionado sobre se mudar da área onde cresceu, ele responde que queria mesmo era comprar de volta a casa do andar de cima, que foi onde morou durante sua infância. “Meu sonho”, diz.
No final de 2022, Bruno Black entrou em um ‘casamento profissional’ com Carla Moraes. Ela, que mora há 46 anos no Fumacê e lembra de histórias como ninguém, foi quem mobilizou ao lado do parceiro literário toda uma comunidade para escrever um livro. Uma obra, como ela faz questão de chamar.
Carla se emociona com cada história da obra. “Eu estou lendo em pedacinhos, porque desabo”, assume ela. E desaba porque “quando a comunidade é esquecida, nós somos também”.
Ela explica: “Acabamos nos acostumando com esse anonimato. A cada história que eu leio, me sinto reportada no tempo. É como se eu visse a cena da minha mãe passando comigo de mãos dadas, eu pequenininha com laço de fita. Parece que um gigante despertou com uma nova perspectiva”.
Para finalizar, Bruno e Carla fizeram questão de afirmar que, assim como diz no verso do livro:
“Uma vez fumacê, FUMASEREI”.