Produção: Ariel Freitas, Gustavo Eduardo e Jonas di Andrade
O dia 24 de maio de 2022 vai ser mais uma data que ficará marcada na história não só no Complexo da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil. A chacina, realizada pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), deixou 25 mortos e 6 pessoas feridas na favela.
Como tudo iniciou antes de se tornar chacina
Os primeiros relatos de tiros começaram na madrugada de terça-feira (24), por volta das 5h, de acordo com os moradores. Esse também foi o horário em que a plataforma Fogo Cruzado registrou o tiroteio e, mais tarde, publicou a informação de que ação se tratava de uma “operação policial” na Vila Cruzeiro, Penha.
A manhã já tinha se iniciado e a operação continuava em atividade. Perante orientação da Secretaria Municipal de Educação, 32 escolas, juntando Complexo da Penha e do Alemão, ficaram fechadas por medida de segurança. As instituições ofereceram o ensino remoto aos alunos.
Ainda na parte da manhã, uma moradora da Chatuba, na Penha, Gabrielle Ferreira da Cunha, de 42 anos, foi atingida por um disparo de arma de fogo. Ela foi socorrida, mas não sobreviveu. No Hospital Getúlio Vargas, referência do Rio de Janeiro, a movimentação foi intensa. Pessoas baleadas não paravam de chegar na unidade emergencial e a equipe do Voz das Comunidades esteve presente acompanhando. Já se contabilizava 13 mortos e 5 baleados.
A Vila Cruzeiro foi extretamemente impactada pelo fogo cruzado. Grupos de mototaxistas ficaram encurralados no meio de uma intensa troca de tiros. Mais tarde, próximos ao local, moradores da região fizeram registros de vídeos e fotos na área, relatando que corpos estavam espalhados em alguns locais. Muitos não conseguiram subir para um lugar conhecido como Matinha, onde, segundo eles, estavam pessoas mortas. Além disso, houve registro também de indignação com as forças policiais que estavam obstruindo o local. Paralelamente, na região do Valão, também no Complexo da Penha, um outro grupo de mototaxistas organizou um protesto e percorreu ruas da localidade. Pois, muitos outros serviços e comércios foram impactados.
No final da tarde até o início da noite, ainda havia movimentação no Complexo da Penha. A “operação policial” só teve fim efetivamente depois das 19h, de acordo com informações fornecidas pela TV Globo na terça (24).
O dia de terror na Penha teve destaque nas redes sociais. A intensidade dos acontecimentos chegou às entidades sociais que criticaram a ação do BOPE e da PRF, que executou 24 pessoas e deixou 7 feridos, o que tudo indica ser a segunda chacina mais letal do município do Rio de Janeiro.
Entidades e especialista críticam ações dos policiais na favela
À frente da Federação de Associações de Favelas do Rio de Janeiro (FAFERJ), o historiador e professor Derê Gomes falou a respeito da incursão policial. “Uma chacina eleitoreira. O que vi no Complexo da Penha foi uma carnificina. Um filme de terror na vida real para invocar eleitores conservadores e cidadãos contra as favelas do Rio”.
Em seguida, Derê Gomes ressalta. “O Estado é tão violento e cruel quanto o crime organizado e não pensa um segundo nas centenas de milhares de moradores do Complexo da Penha que não tiveram direito de ir e vir, das crianças sem escola, da vacinação interrompida”.
Guilherme Pimentel, agente da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, relatou que muitas mensagens foram recebidas nas primeiras horas da manhã. Diante das mensagens desesperadas de moradores, a equipe esteve presente na Penha. “Entramos em contato com os órgãos de controle das forças policiais e pedimos providências. Essa violência (operação) estava atingindo a população como um todo. Inclusive, com o fechamento de escolas, unidades de saúde, comércio e impedindo as pessoas saírem para estudar, para trabalhar”.
Guilherme, em seguida, classificou a operação como “caçada humana” e criticou a atividade policial dentro de favelas do Rio de Janeiro. “Uma vez que as famílias ficam no meio desse fogo cruzado, se sentindo inseguras, deitadas no chão, se escondendo dentro do banheiro, dentro de cômodos mais afastados da área externa, como fica a integridade física e mental dessas pessoas? Esse tipo de operação, que jamais seria naturalizado nos bairros nobres da cidade, também não pode ser naturalizado dentro das favelas”.
Cecília Olliveira, diretora executiva da plataforma Fogo Cruzado e jornalista especializada em segurança pública, também falou a respeito da incursão policial. “Essa é a sexta chacina policial em 2022 na Zona Norte do Rio (…) Qual seria o ganho que a gente tem com operações como essa, que são o centro da política de segurança pública?”. Ela faz um questionamento quanto às ações policiais diante do cenário da segurança pública e reflete que o estado apenas perde ante à barbarie como a que atingiu o Complexo da Penha. “Quando você olha para o outro lado, a gente tem muitos danos. Muitos danos como Gabriele, que foi morta logo no começo da operação. Aí entra para a estatística como mais uma vítima de bala perdida. E como fica a família da Gabriele? Quantas Gabrieles a gente já viu, a gente tem visto, a gente ainda vai ver?”, finaliza.
Atualização segundo a Polícia Civil
A Polícia Civil informou nesta quinta-feira (26) que o número de mortos na chacina na Penha é de 23, ao invés de 26. O Instituto Médico-Legal explicou, de acordo com G1, que três mortos atribuídos à incursão policial vieram, na verdade, de um confronto no Morro do Juramento.