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BBB21: desserviço e contribuição ao ódio racial

Será um 2021 difícil para a população negra, ainda mais após esta encomenda de discórdia racial. É a própria justificativa do “não somos racistas” que pessoas efetivamente racistas, conservadoras e elitistas querem impor
Foto: Reprodução

Por: Midiã Noelle para a Folha de S. Paulo

O BBB21 nos trouxe uma série de armadilhas. Para negros e não negros. Sabemos que pretos e pardos historicamente têm tentado superar as suas dores. Muitos entendem os impactos do racismo e tentam, com coerência, superá-los. Afinal, a nossa herança socioeconômica é, sim, fruto de um passado de muito sofrimento e de colonização. É inegável! Por outro lado, sabemos também que, em decorrência da autodefesa, muitos de nós pretos e pardos não sabemos lidar com tanta violência racial cotidiana. Isso acaba afetando a nossa psique.

Ser avaliado ou avaliada o tempo todo como não pertencente a um espaço pelo tom da pele e pela construção do imaginário coletivo que criminaliza, animaliza e inferioriza a população negra não é algo simples. É difícil, e o BBB (Big Brother Brasil) 21 acaba, infelizmente, apresentando nitidamente um desserviço para nós, população negra. O programa também precisa ser observado, analisado e responsabilizado. 

O BBB permitiu que as torturas psicológicas chegassem ao ponto em que chegaram. Um jovem negro (Lucas) contra toda a casa (com exceção de poucos, especialmente de Sarah). A soma da aparente permissividade do programa com a perversidade dos participantes é inaceitável. Em tempo de pandemia, da ampliação do debate racial, em especial após a morte de George Floyd, e em que todos e todas nós, negros, brancos, indígenas e pessoas em nível global, precisamos cuidar das nossas mentes, os impactos de um programa como este podem ser gigantescos. A quem serve tanto gatilho contra a nossa saúde mental?

São tantos os pontos decepcionantes. Desde a edição do programa que parece privilegiar os artistas convidados, omitindo, por exemplo, o comportamento de Pocah e Karol na saída de Lucas —o acusando de usar a sua bissexualidade como estratégia de jogo— até o vazamento do áudio de Boninho chamando o participante excluído de monstro para Projota. Ou seja, comprovando que há interferência e que o programa pode, sim, reduzir danos. A audiência não pode ser construída a partir da dor. Já estamos adoecidos.

São mais de seis meses de seleção. E fica a pergunta: será que os personagens foram escolhidos e selecionados a dedo para que esse caos fosse armado? Preocupa-me ainda o cancelamento destas vidas negras – ‘Que Importam sim!’ – na internet. Os negros do BBB não representam todo o Brasil. Projota, Karol Conká, Lumena, Pocah e Nego Di fazem parte das contradições da negritude do nosso país. 

Nós, negros e negras, também temos contradições. Os debates de colorismo, gayfobia, desrespeito à religiosidade, bullying, punitivismo, foram muito mais evidenciados pelos negros desta edição. Parafraseando Lumena (que odé a proteja, porque o revés aqui fora vai ser pesado), isso me dói num lugar muito profundo. É triste ver o comportamento dos participantes e o cancelamento na internet. O público só fala da postura abusiva de Karol, do tom passivo-agressivo de Projota, da desinformação de Nego Di, da conveniência de Pocah e da falta de equilíbrio de Lumena, que não está militando de forma respeitosa. Nem o orixá da justiça escapou. 

A trama racial posta nesta edição vem para mostrar que, sim, somos diferentes. Mas ela também acaba por gerar ainda mais ódio racial. 

Que os nossos ancestrais tomem conta de todos nós. Será um 2021 difícil para a população negra, ainda mais após esta encomenda de discórdia racial. É a própria justificativa do “não somos racistas” que pessoas efetivamente racistas, conservadoras e elitistas querem impor. Não quero mais a síndrome do preto único nos espaços, mas acredito que ainda precisamos aprender a identificar as armadilhas quando estamos em maior número. Por fim, Gilberto é negro, é nordestino, é vigor. Em um tempo como este, precisamos disso: leveza.

Midiã Noelle é jornalista, mestra em cultura e sociedade pela UFBA, idealizadora da Commbne (Comunicação baseada em inovação, raça e etnia), líder do Programa Marielles do Fundo Baobá e colunista do jornal Correio 

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Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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