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As mães precisam lutar pelos direitos dela enquanto mulheres e também pelo direito dos filhos, afirma Camila Moradia

Mãe e liderança, Camila Moradia acredita nas construções coletivas para formação de um futuro digno para as favelas
Foto: Marlon Soares / Voz das Comunidades

Mulheres estão na linha de frente nas chefias de famílias e na busca por direitos. Trajetórias femininas ancestrais ainda ecoam nos morros e vielas de maneira que a luta das mais velhas continua nos passos das mais novas. A caminhada de Camila Moradia é a prova disso. Cria da Grota, ela se inspira em mulheres de dentro e de fora de sua família para abrir novos caminhos na luta por dignidade.

“Lembro muito bem da Dona Odete, que foi a primeira mulher presidente de Associação de Moradores no Complexo do Alemão, na Grota. Ela sempre passava na minha porta com um monte de cano e uma bolsa de ferramentas. Tinha isso muito fixo: quando eu crescer quero fazer o que essa mulher faz. Porque todo mundo pedia ajuda a ela e ela ajudava”, recorda Camila.

Aos 39 anos, Camila é liderança na luta por moradia, fundadora do coletivo Mulheres em Ação do Alemão e atuante no Plano de Ação Popular do CPX. Sendo mãe de Leticia, Giovana e Thalles, não é de hoje que sua jornada mescla maternidade e ativismo.

 Camila Moradia e suas crias em entrega de moção honrosa na Câmara Municipal do Rio de Janeiro
Foto: Marlon Soares / Voz das Comunidades

Apesar de sempre se destacar na escola e nos projetos sociais, Camila só se entendeu como liderança durante o processo de remoção que sofreu na Favelinha da Skol, há mais de dez anos. O local foi considerado como área de risco pelo governo do Estado. Aproximadamente 500 famílias foram removidas do local com a promessa de que, em um ano, novos apartamentos seriam construídos

“Quando não cumpriram o combinado, eu entendi que precisava reorganizar os moradores para fazer um movimento. Ali caiu minha ficha de puxar para mim a responsabilidade de falar que a gente tem direito e quais direitos que a gente perdeu lá atrás quando foi enganado”, conta Camila.

De lá para cá, são 12 anos vivendo no Aluguel Social. Foram cerca de três anos sem um ponto fixo e sem uma clínica de referência. Camila não conseguia marcar consultas para seus filhos por falta de um comprovante de residência. Como consequência, ela sofreu com hipertensão e diabetes e as crianças não tiveram acompanhamento periódico na primeira infância.

As vivências de Camila mostram como um direito precisa do outro para ser de fato garantido. Apesar da Constituição, é comum que territórios favelados sofram com a negação de acessos básicos para uma vida saudável. A inconformidade de lideranças é o que abala as estruturas da desigualdade e abre caminhos para se pensar em qualidade de vida nas favelas.

“Eu gostaria muito de dizer que a luta por moradia digna é vida, mas ainda não é. É sobrevivência. Já me mudei mais de 14 vezes durante esses anos. Não é simples de você conseguir um comprovante de residência. O enfrentamento é para garantir sobrevivência porque infelizmente a gente ainda não consegue viver”, desabafa Camila.

A luta de quem é da favela já vem de dentro ventre”, diz Camila Moradia
Foto: Marlon Soares / Voz das Comunidades

Na organização da luta por moradia, Camila percebeu que a maior parte das famílias removidas eram chefiadas por mulheres. Para ela, a combinação de luta e maternidade funcionam de forma natural. Anos atrás, em ocupação em equipamentos públicos ou em Brasília, ela estava presente amamentando seu filho mais novo.

“Costumo dizer que a luta de quem é da favela já vem de dentro ventre. A maternidade junto com a luta é algo muito orgânico. Não é que ela se junta, é um processo que vai nascendo ali no caminho. As mães precisam lutar pelos direitos dela enquanto mulheres e também pelo direito dos filhos”, afirma Camila.

No marco do início do projeto de recuperação do Teleférico do Alemão, em 2022, Camila questionou o governador Cláudio Castro sobre a demora da entrega das casas das famílias removidas. No mesmo dia, um edital para construção de unidades habitacionais foi lançado. As obras estão em andamento.

Camila enxerga o Complexo do Alemão como o lugar em que estão fincadas suas raízes. Os desafios em ser uma mulher negra, mãe e ativista neste território não são poucos. O cansaço e a sobrecarga materna atravessam o cotidiano da liderança. Por outro lado, olhar para referências que admira desde a infância impulsiona sua caminhada.

“Eu vi minha avó, vi a dona Odete, vi a Lúcia Cabral, vi tia Bete. Isso é o que me alimenta enquanto mulher negra, mesmo sendo invisibilizada no território e tendo, muitas vezes, meu trabalho desmerecido. Pode falar o que quiser da mulher negra aqui que eu continuo passando pela Avenida Itaóca olhando o resultado do trabalho que eu fiz. Isso não tem preço! É o que motiva e dá vontade de sair gritando mesmo: foi uma mulher negra que conquistou!”, finaliza Camila.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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