Muito se fala sobre o Rio de Janeiro separado por um túnel, mas nos últimos dias o outro Rio de Janeiro, separado por uma Linha Vermelha, tomou conta do noticiário.
A razão, como sempre, é a tragédia.
E a gente tá falando aqui de uma tragédia anunciada, com data marcada: janeiro. Todo ano “inesperadamente” acontece uma baita chuva que mobiliza as forças dos governos pra salvar o povo. Equipamentos pesados que a gente nem sabia que existiam tomam as ruas para limpar a sujeira.
Do lado de cá da Linha Vermelha, a Baixada Fluminense paga o preço das mudanças climáticas provocadas justamente por gente que tá muito, muito longe daqui. Enquanto quem controla os meios de produção lucra com a exploração do meio ambiente, a classe trabalhadora mora nos lugares que mal têm saneamento básico e não estão preparados sequer para temporais.
Se o racismo ambiental envolve a injustiça social, a gente começa a entender esse preço pago com juros na Baixada Fluminense. Como bem sinalizou Jonas Di Andrade, comunicador e editor do Jornal Impresso do Voz das Comunidades, o investimento em segurança pública ao invés de políticas de igualdade afetam as vidas dessas pessoas que continuam perdendo seus bens a cada chuva forte. Não por acaso, de acordo com o IBGE, cerca de 69% da população da baixada fluminense se declara preta ou parda. São mais de 2,4 milhões de pessoas pretas e pardas distribuídas em 13 cidades.
Para termos um recorte da necropolítica brasileira, basta olhar para o “caveirão”. Cada unidade significa quase um milhão de reais a menos para investir em saneamento. Só os gastos da PRF chegaram a quase R$100 milhões e ainda precisamos amargar um possível gasto totalmente desnecessário pro país.
“Possível”, seu juiz. Não estamos acusando ninguém de nada.
O que podemos dizer sobre o destino do dinheiro público é que as ações emergenciais e equipamentos pesados nas ruas vão render muito mais falatório do que políticas públicas – afinal, elas demandam tempo e planejamento.
Combater o racismo ambiental envolve levar os mesmos investimentos das zonas nobres para as periferias. O debate inclui a defesa de direitos humanos, como acesso a água, comida e abrigo: direitos esses que estão sendo negados quando um temporal leva tudo embora. A discussão é bem ampla e não cabe nessa coluna.
Não precisamos de abismos tão grandes nas cidades. A vida não precisa ser tão difícil pra alguns, que constantemente precisam recomeçar – literalmente.
A verdade que todo mundo sabe é que sua vida vale o carnê do seu IPTU.
Wesley Brasil
Baixada Fluminense até o osso: Wesley Brasil é um tradutor das ruas da metrópole carioca que mobiliza pessoas a favor do seu território.