Em 2017, as favelas cariocas foram retiradas dos mapas oficiais da empresa de turismo da Prefeitura do Rio de Janeiro, como um recado para a população favelada que soava como: vocês não fazem parte da cidade. À época, foram cerca de 1,4 milhão de favelados cariocas que estavam de fora da representação geográfica do Rio. Em 2024, especificamente na última segunda-feira (4), no alto do Morro do Adeus, afrontando e reforçando a existência e potência dessas favelas – dessa vez, de todo o Brasil – frente às autoridades, um documento feito por e para favelados, foi entregue o communiqué, documento com recomendações políticas ao G20. A cerimônia faz parte das ações do Favela 20 (F20), realizada pelo Voz das Comunidades e construída coletivamente com diversas vozes atuantes pelos direitos das favelas e periferias. Estiveram presentes a população local e sociedade civil como um todo, representantes do Ministério da Fazenda, do G20, do governo estadual, de empresas privadas, entre outros.
Neste communiqué, são apresentados os seis Policy Briefs ou recomendações políticas, elaboradas por diversas organizações periféricas. Os temas centrais são considerados essenciais para que, de fato, a favela seja colocada de vez no debate global, que é a principal proposta da reunião do G20, que reúne lideranças de 19 países. Combate às desigualdades, pobreza, fome e promoção da saúde mental; Combate à crise climática e promoção da transição energética justa; Acesso à água potável, saneamento básico e higiene pessoal; Combate ao risco de desastres naturais; Transformação, inclusão digital e cultural e Finanças sustentáveis são o norte dessas recomendações.
“A partir do momento que a gente entrega esse communiqué as autoridades, a gente vê como uma abertura de portas porque eles se comprometem, e a partir do momento que eles se comprometem, a gente pode bater na porta deles para poder cobrar”, a colocação feita por Gabriela Santos, uma das cofundadoras do G20 e diretora-executiva do Voz das Comunidades, explica a importância de um evento como este. “O papel do F20, do Voz das Comunidades, entre outras organizações – já que o F20 não é feito sozinho – é cobrar essas pessoas, de acordo com as áreas deles.”
Um dos objetivos, destaca Gabriela, é a criação do “Fundo Favela”. “Com o objetivo de financiar organizações. “A gente quer falar sobre microcrédito, a gente quer falar com os empreendedores da comunidade, e a gente também quer financiar as organizações. Para isso, a gente precisa se comprometer; a partir do momento que a gente faz os governantes e as autoridades se comprometerem, a gente tem autoridade para cobrar”, afirma.
“Um dos pontos que a Lúcia Cabral levantou é: eles falam que tem financiamento, mas o acesso é muito difícil. Então uma das recomendações da trilha de finanças é o fácil acesso. Como as organizações pequenas e grandes conseguem acessar esse dinheiro? Então o objetivo é a facilitação de acesso a essa grana que nunca chega na gente”, finaliza Gabriela, dando força à fala de uma das componentes do terceiro painel “Financiando o Futuro das Favelas: Onde Estamos e Para Onde Vamos?”, Lúcia Cabral.
“Sempre foi um desafio conquistar qualquer verba para realizar as suas ações; o poder público não te reconhece, a não ser que ele precise. Eu acho que o F20 traz isso muito forte porque é a voz do povo falando. O que falta é ter essas pessoas, como empresários e representantes do poder público, que criam os editais, para construir e compartilhar junto da gente”, desenvolveu Lúcia Cabral, ao ser questionada sobre suas colocações ovacionadas durante o painel.
Para ela, quando há a escuta do problema e o desenvolvimento de uma metodologia, não criam-se barreiras. “Eu acho que devem encontrar estratégias nesses grupos que já existem para podermos construir juntos e pensar como apoiar as instituições de base comunitária. Sai um edital, a gente tenta se inscrever, o tempo é curto, a exigência de documentação é imensa, a gente não tem um contador e não tem dinheiro para contratar um. No fim, a gente sai perdendo. Quem ganha [os editais] é quem tem um captador que está preparado e sabe muito bem conquistar essa captação. Eu não tenho captador, eu trabalho para manter a ONG, então nunca dá tempo.”
Morador da Fazendinha, Complexo do Alemão, o estudante de jornalismo Matheus Andrade, de 24 anos, marcou presença no evento. “Considero importante a participação do público favelado em eventos como esse porque as pessoas que tomam decisões estão distantes da nossa realidade. Então, quando participamos das tomadas de decisão, a gente pode falar o que é necessário para nós”.
Matheus destacou a descentralização de cerimônias como esta. “É bom ser no alto no Complexo do Alemão para tirar as pessoas da zona de conforto, para poderem ver de fato como é nossa realidade; como a dificuldade de acesso e mobilidade urbana. Assim, trazemos eles para nossa realidade para entenderem que não estamos brincando, na verdade, estamos demandando direitos básicos, de sobrevivência no dia a dia”, conclui.