A abolição formal da escravidão em 13 de maio de 1888, embora um marco histórico, não significou o fim das opressões e privações enfrentadas pela população negra. Pelo contrário, a exclusão social e marginalização se intensificaram sobre os descendentes, além de dar origem a um fenômeno de urbanização que conhecemos bem: as favelas.
David Amen, co-fundador e coordenador do Instituto Raízes em Movimento, do Complexo do Alemão, fala sobre a data. “A gente sabe que só tinham 5% de negros escravizados naquela época. Então 95% dos negros e negras conquistaram sua liberdade a partir de luta, da resistência, da fuga, a partir dos quilombos. Não foi a princesa que nos libertou”, conta.
A falta de políticas públicas para essa população negra, como o acesso negado à educação, concessão às terras, casa e emprego, resultaram em inúmeras lutas por direitos e reivindicações contra o estado, que passou a tratá-los como criminosos.
Violência e Repressão
Não por acaso, a polícia foi criada no início do século XIX e teve principal ligação com a Lei da Vadiagem, que criminalizava pessoas empobrecidas, que não tivessem ocupação, renda fixa e moradia, ou seja, questões que eram atribuídas aos negros e quilombolas.

Foto: Marlon Soares / Voz das Comunidades
Para David, as favelas são os quilombos contemporâneos, tendo em vista que elas são formadas por maioria negra. “O poder público e governantes desprezam esses territórios por conta do racismo, que é explícito. A escravidão acabou de forma documental, mas as mazelas dela perduram até hoje, com o descaso, o abandono, truculência e violação de direitos humanos nas favelas. Tudo a ver com o período ainda escravagista, que é muito recente. A gente tem mais tempo de escravidão, por exemplo, do que tempo de abolição.
Memória que os livros não contam
Em 1897 nasce o Morro da Providência, primeira favela do país, no centro do Rio de Janeiro. Os barracos improvisados eram rodeados da planta “faveleira”, que fez o território ser conhecido como “Morro da Favela”, que originou o termo utilizado nos dias atuais.
Na localidade, emergiram formas próprias de organização social, cultura e identidade. Atualmente, o morro é referência afro-brasileira e considerado o berço do samba carioca. A favela recebe milhares de turistas que apreciam a culinária, a religiosidade, a música e a literatura dela, através da perspectiva do morador que reverencia seus ancestrais.

Foto: Marlon Soares / Voz das Comunidades
Para o historiador, esse é o caminho e reflete. “Para uma sociedade mais justa é necessário trabalhar a memória, os direitos, disputar espaços e narrativas. Além disso, as organizações comunitárias são fundamentais para resgatar e valorizar essa memória, que só o negro pode contar. Só ele pode falar da sua luta, da sua dor, só ele entende sua resiliência. É fundamental que o trabalho de memória seja consolidado em todas as favelas”, diz.