Ilustração: Raífe Sales
“A transição de minha vida foi impulsionada pelos livros. Tive uma infância atribulada. É por intermédio dos livros que adquirimos boas maneiras e formamos nosso caráter“. É com a fala da Carolina Maria de Jesus, grande nome da literatura de favela, que abrimos a coluna Voz da literatura, na qual traremos, semanalmente, dicas de livros de autores favelados. Uma conversa de nós para nós!
Quarto de despejo – Diário de uma favelada
(Carolina Maria de Jesus, 1960)
Para começar, um livro da própria Carolina Maria de Jesus. Quarto de despejo é uma obra que traz o diário da autora enquanto ainda era catadora de papel na cidade de São Paulo. Os relatos são da década de 1950 e mostram a dura realidade de Carolina e seus três filhos, que moravam na favela do Canindé, hoje extinta. Mãe solteira, o tema que ela mais toca é a fome e o quanto isso é terrível. Todo o esforço de Carolina era para ter o que comer para si e seus filhos. A fé é uma base forte na vida da autora, que por vezes pensou em desistir mas encontrou forças para continuar.
16 de junho.
Quarto de despejo – Diário de uma favelada (Carolina Maria de Jesus, 1960)
“Hoje não temos nada para comer. Queria convidar meus filhos para suicidar-nos. Desisti. Olhei meus filhos e fiquei com dó. Eles são cheios de vida. Quem vive, precisa comer. Fiquei nervosa, pensando: será que Deus esqueceu-me? Será que ele ficou de mal comigo?“
Tomógrafos nas favelas não são utilizados mesmo após um mês de inauguração
Em um barracão, como a própria Carolina chama, ou pelas ruas de São Paulo, a narrativa mostra um cotidiano de muitos conflitos na vida da autora: sejam eles internos ou com a vizinhança na favela. Apesar do livro ter sido escrito há mais de 60 anos, ele tem trechos que são super atuais. A determinação de Carolina começa a ser recompensada em junho de 1959, quando o repórter Audálio Dantas, que a conheceu quando foi fazer uma matéria na favela do Canindé, consegue fazer com que trechos do seu diário fossem publicados na revista O Cruzeiro, importante veículo da época.
“A democracia está perdendo os seus adeptos. No nosso país tudo está enfraquecendo. O dinheiro é fraco. A democracia é fraca e os políticos fraquíssimos. E tudo que está fraco, morre um dia. Os políticos sabem que eu sou poetisa. E que o poeta enfrenta a morte quando vê o seu povo oprimido.“
Quarto de despejo – Diário de uma favelada (Carolina Maria de Jesus, 1960)
Sem dúvidas, Quarto de despejo marcou a literatura brasileira, já que nunca antes uma mulher negra e com pouco estudo escolar tinha chegado a lugares tão grandiosos. A obra foi traduzida para treze idiomas e eternizou a ilustre Carolina Maria de Jesus, falecida no dia 13 de fevereiro de 1977.