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Moradora da Rocinha que venceu a Covid-19 aguarda fim da pandemia para voltar para a favela

Edvanda ficou 46 dias internada e agora está com o filho em Paciência por receio de voltar a sua casa

Os números de pessoas infectadas pelo novo coronavírus crescem a cada dia. Atualmente, no Rio de Janeiro, há a confirmação de 42.398 casos. Nas favelas cariocas, são 982. Mas o fato é que esses dígitos que aumentam diariamente, têm rostos, famílias, amigos e nomes. Como o de  Edvanda Bezerra de 54 anos, que teve covid-19, desenvolveu uma pneumonia, em decorrência da infecção, ficou 46 dias internada, dos quais 34 estava entubada e sobreviveu para contar sua história. Ela é moradora da Rocinha, Zona Sul do Rio, e, mesmo tendo recebido alta do hospital há uns dias, não voltou para casa ainda devido à proliferação do coronavírus na favela, que já contabiliza 195 casos.

Edvanda Bezerra, ou apenas Vanda, como é conhecida, é natural de Cacimba de Dentro, uma pequena cidade que fica no estado da Paraíba, mas mora na Rocinha há mais de 20 anos. Negociante e com espírito empreendedor, a paraibana trabalha em uma loja de roupas no Centro Comercial, conhecido como Camelódromo, da favela. Ela tem três filhos, também nordestinos, e é a filha mais nova, Jaina Bezerra, de 32 anos, quem relata a história da mãe, devido ao estado, ainda em recuperação, de Vanda.

Tudo começou no dia 27 de março. Nem a família nem Edvanda sabem onde ou de quem ela pegou a doença mas os sintomas começaram de forma rápida e intensa, no dia 28 já estava de cama. Os sintomas eram tosse, febre alta e uma  fraqueza intensa devido à qual mal conseguia andar. De imediato, foi levada até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Rocinha. Lá, tomou injeções para dor, febre e enjoo e foi orientada a tomar dipirona em comprimidos, também para combater a dor e a febre. Voltou pra casa. Na mesma noite, os sintomas pioraram, ela começou a sentir falta de ar e um forte mal estar. Vanda e a família ficaram assustadas e no dia seguinte, ela resolveu ir até o Hospital Municipal Miguel Couto, que fica no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro. 

 “A tosse e a febre também não sediam então fomos para o Miguel Couto. Ela chegou lá às 17h e ficou até às 9h da manhã do dia seguinte. Fizeram vários exames e a colocaram em uma cadeira de rodas porque não tinha como ela ficar numa cama nem na sala amarela, pois não tinha nenhuma vaga. E minha mãe continuava a piorar, estava com muita falta de ar. Colocaram ela no oxigênio mas viram que a respiração não melhorava. Os exames mostraram uma pneumonia e os médicos disseram que deveria ser em decorrência do coronavírus. E no fim, falaram que ela não podia ficar lá pois não havia leito disponível”, relata Jaina.

O período de internação

Vanda foi para casa, depois de 16 horas no hospital, mas sua situação estava ainda pior. Ao chegar na Rocinha, ela não conseguia subir as escadas de sua casa, estava muito fraca. Com a ajuda do filho Janilson, de 33 anos, e do genro, conseguiu chegar em casa porém, os sintomas não melhoraram, mesmo com o antibiótico e a dipirona. Em um dado momento, ela disse que não sentia mais as pernas. Os familiares chamaram uma ambulância, que demorou cinco horas para chegar. Os socorristas disseram aos parentes presentes que Vanda estava muito mal e ela foi levada novamente para a UPA da Rocinha. Assim que chegou, a empreendedora precisou ir para o oxigênio e ficou em observação na sala amarela, isolada. Nesse dia, ela passou o restante da noite lá.

“No outro dia (1º de abril) fomos lá no horário de visitas e a médica falou que se pudéssemos tirar ela de lá (da UPA) seria melhor, pois não tinham todos os equipamentos necessários para cuidar da minha mãe. A noite, ligaram avisando que iriam entubar ela e disseram que tínhamos que procurar um hospital para ela ir. Ligamos para várias pessoas e conseguimos uma vaga por meio de um amigo. Então a levamos para Instituto do Cérebro, na Lapa. Na transferência, a ambulância que veio, não tinha os equipamentos necessários e tivemos de esperar horas por outra, conseguimos transferi-la à uma da manhã, e nesse meio tempo, ela teve duas paradas cardíacas”, conta Jaina.

No Instituto ela ficou isolada pois os exames haviam confirmado que ela estava com a covid-19. Vanda não podia receber visitas nem falar ou ficar com ninguém, as informações sobre seu estado seriam dadas à família através do telefone, esse seria o único meio pelo qual os filhos saberiam notícias da mãe.

“Felizmente eles ligavam todos os dias para nos informar como ela estava. Diziam que o pulmão dela estava danificado, que a respiração dela estava fraca. E o pior era não poder ver minha mãe, dar forças pra ela. Nós ficamos de quarentena, só rezando por ela. Recebemos ajuda de muita gente, tanto com cestas básicas quanto com orações, porque ela é muito querida por todos. Tentaram tirá-la da intubação quatro vezes, sem sucesso, não respirava sozinha. O médico falou que a quinta tentativa de tirar os aparelhos seria a última, e ela conseguiu. Na quinta eles conseguiram, depois de 34 dias de intubação. Depois disso, o coração começou a bater melhor e a febre cessou”. 

Já fora dos aparelhos, Edvanda ainda não respirava bem. “Os médicos disseram que ela estava respirando sozinha mas ainda de forma insuficiente, muito fraca. Então nos informaram que ela teria de fazer uma cirurgia. Um furinho na garganta (traqueostomia). Mas ela teve que ficar na fila pois haviam várias pessoas necessitando do mesmo procedimento. Novamente começamos uma nova corrente de oração. No outro dia ligaram falando que tinham feito, que haviam conseguido e que ela estava se recuperando bem. Minha mãe teve de reaprender a respirar e a falar devido ao procedimento. Também teve que aprender a andar novamente depois de tanto tempo deitada”.

O medo de voltar para casa

A covid-19 é uma doença séria e que pode se agravar de acordo com as condições e a reação de cada hospedeiro. Vanda precisou tomar quatro tipos de antibiótico para combater a pneumonia e teve 4 paradas cardíacas apenas no período em que esteve no Instituto do Cérebro. Ela ficou 34 dias entubada, 5 dias fora dos aparelhos e  46 dias nos hospitais, ao todo. Além disso, precisou fazer uma traqueostomia, um orifício artificial criado cirurgicamente na frente do pescoço, para alcançar a traquéia, indicado após longos períodos de incubações, para desobstruir as vias respiratórias.

Depois de tudo isso, Vanda teve alta mas não voltou para casa. Ela e parte de sua família resolveu não voltar para a Rocinha. “Decidimos não ir para Rocinha devido ao grande número de casos lá. Nos primeiros dias de sintomas da minha mãe, eu, meu marido, meu pai e meu irmão também tivemos sintomas, cheguei a ficar de cama. Achamos que todos daqui de casa pegaram. Essa doença não escolhe, pode pegar qualquer um em qualquer lugar. Viemos para Paciência, Zona Oeste do Rio, estamos na casa do meu irmão mais velho, o Jandeilson, por medo da doença mesmo. Aqui as casas são separadas e não tem muita gente na rua, além de ser mais ventilado, diferente de onde moramos na Rocinha. E mesmo em casa, estamos ficando afastados”, diz Jaina.

Esse medo da filha de Vanda não é infundado. Além do que aconteceu com sua mãe, ela soube de vários outros casos na Rocinha, que já contabiliza 55 mortes por covid-19. “Enquanto minha mãe estava no hospital, perdi vários amigos. Minha melhor amiga, Juliana, também moradora da Rocinha, morreu. Ela tinha tuberculose, estava em tratamento mas assim que começou com os sintomas de covid faleceu no mesmo dia. Nossos primeiro vizinhos na Rocinha também, e pelo menos, uns quatro colegas do camelódromo. Praticamente todos os dias, enquanto minha mãe estava no internada, tínhamos notícias da morte de conhecidos”.

Jaina fala ainda da dificuldade financeira que a família vem passando. “Somos todos camelôs e estamos sem trabalhar. Estamos passando bastante dificuldade. Não estamos sabendo como vamos viver, porque estamos com medo da doença e ao mesmo tempo precisamos nos sustentar. Estamos rezando diariamente para que tudo passe logo, que possamos abraçar nossos familiares. Mas depois do que minha mãe passou temos realmente mais medo dessa doença”.

Dona Vanda está curada. Quando ela teve alta do hospital o exame de coronavírus já dava negativo. Mas ainda assim, se recupera das sequelas deixadas depois da batalha contra a covid-19, como o andar enfraquecido, a adequação da alimentação – devido à traqueostomia – e a respiração que está voltando ao normal aos poucos. “Foi difícil, mas minha mãe foi muito bem atendida pelos médicos, todos fizeram o que podiam para ajudá-la. Agora, na última avaliação que fizeram dela, disseram que ela está evoluindo e os exames já confirmaram que o vírus não está mais no corpo dela. Não desejo o que passamos e ainda estamos passando para ninguém. Porque é muita dor, sofrimento, dificuldade e luta. Apenas agradeço a Deus por minha mãe estar viva”.

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Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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