Foto: Hector Santos / Gabinete de Crise do Alemão
A frase “mães da favela” é carregada de significados, pois as mulheres que têm filhos dentro de comunidade assumem uma responsabilidade diferente de todas as outras. Ser mãe dentro da favela é lutar não apenas para educar e alimentar uma criança, mas também salvá-la e protegê-la da ausência do Estado, da falta de direitos básicos e dos perigos de caminhos adversos.
Camila Santos é uma dessas mães. Porém, ela é muito mais: Cria do Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio, defensora dos Direitos Humanos, militante na questão habitacional e coordenadora do Mulheres em Ação no Alemão (MEAA).
Liderança do movimento por moradia e membro do Gabinete de Crise do Alemão, Camila Moradia, como é conhecida, está totalmente envolvida com tudo que vem acontecendo na favela onde vive. No entanto, o papel da mulher nesse cenário é o que mais preocupa a ativista:
“Há pelo menos um mês e meio estou comprometida em ajudar famílias onde mulheres são as chefes das casas e tem muitos filhos. Poderia falar muitas coisas sobre esse assunto, mas quero falar sobre a invisibilidade da mulher mesmo ela sendo protagonista. É incrível como a sociedade te atropela. Somos vistas como guerreiras, fortes e tantos adjetivos lindos quando na realidade estamos sobrecarregadas e sem reconhecimento”.
Camila ressalta ainda a necessidade de ter que provar seu valor e como a disputa pelo espaços, protagonismos e narrativas, é desigual, quando se fala a respeito de gênero e, principalmente de cor da pele:
“A mulher preta, de todas as idades, sejam elas mães, filhas, irmãs, primas, vizinhas, sustentam suas casas, estudam e muito mais. Entretanto, muitas vezes, tem seu brilho ofuscado. Tenho meu próprio caso como exemplo. Às vezes dou uma ideia, ninguém aceita. Logo depois, um homem fala a mesma coisa e é aplaudido de pé”.
Determinação, luta, fé e ancestralidade
A ativista social tem muita clareza quando fala da situação atual em que se encontra o Brasil e faz uma análise profunda sobre o Rio de Janeiro e as favelas cariocas, tendo como eixo a pandemia causada pelo novo coronavírus . “Mais uma vez teremos de nos adaptarmos. Mercado e farmácia são serviços essenciais pra quem tem dinheiro. Quem não tem faz como? Nos colocamos na linha de frente nessa situação mas, na verdade, acho que sempre estivemos. Chamamos para nós a responsabilidade de fazer algo pelos nossos. Entretanto, diariamente, enfrentamos diversas dificuldades”.
Diante das questões que envolvem as particularidades da favela e em meio ao combate à covid-19, a ativista se divide entre as recomendações de órgãos de saúde a realidade nas comunidades:
“Quase dois meses se passaram e nada de cesta básica da Prefeitura ou do Estado. Mais uma vez teremos que nos adaptar às recomendações para o modo favela/periferia. Minha única preocupação com lockdown (modo de isolamento mais rigoroso) é que teremos muitos favelados morrendo de fome. Há pelo menos quatro anos seguidos acompanho famílias que lutam contra a fome todos os dias. É desesperador! O carro está andando cada vez mais rápido e trocar o pneu, enquanto isso acontece, tem sido praticamente impossível”.
Quando perguntada de onde vem tanta força para enfrentar tantas adversidades, Camila Moradia é bem direta e fala de fé e ancestralidade:
“Sem sombra de dúvidas, minha força vem de Deus. Se tem uma coisa que eu tenho é fé! A força dos meus ancestrais me traz até aqui, me colocando de pé. Aproveito para exaltar todas a mulheres pretas das favelas que sempre estiveram no front das crises que enfrentamos desde que nascemos: pretos e pobres. Nós, mulheres negras, somos a força da favela! Carregamos em nós a força de nossos ancestrais e com muita fé em Deus. Movemos esse lugar. Quero só respeito e que nos permitam ocupar um lugar que também é nosso. Só isso”.