Por diversas vezes eu cobri pautas relacionadas a confrontos em comunidades do Rio.
Não foi diferente dessa vez. Sai do Complexo do Alemão, um dos maiores complexos de favelas do mundo, para ir direto à sua co-irmã Rocinha, que também compete no critério de maiores do mundo, para ver de perto o que ocorria por lá. A Rocinha, durante esses últimos dias, entrou em destaque em todo o Brasil por conta da onda de violência na comunidade. Mas qual seria o tipo de destaque que falaria sobre o que realmente está acontecendo na Rocinha? Nas televisões, jornais e rádios, somente os confrontos armados, o Zuzu Angel (túnel que corta a Zona Sul) fechado e os moradores da Zona Sul assustados com os tiros. Somente isso. Foram esses tipos de destaques que me fizeram sair do Alemão (que sofria também com a violência) para a Rocinha.
Mas não para constatar o óbvio. Entendo que existem outros destaques importantíssimos na Rocinha que estavam sendo ocultados. Saí do Alemão com uma forte apreensão. Claro, a mídia em si me vendia a imagem de uma comunidade totalmente perigosa e violenta, devido aos últimos acontecimentos. E por algum momento, de fato fora assim. No meio do caminho já imaginava toda aquela cena de horror contada pelos repórteres e seus coletes à prova de balas, mesmo estando todos eles totalmente fora da comunidade.
No entanto, deparei com uma tranquilidade assustadora. Mesmo com tudo o que acontecia na comunidade, nada tinha mudado. A Rocinha seguia ali, como uma grande máquina de potência. Lojas abertas e funcionando, uma multidão de pessoas que se esbarravam pelas ruas estreitas e pelos becos e, não podemos esquecer, aquela imensidão de mototaxistas que, por algum momento, me fazia lembrar da Índia e seus mais de 80 milhões de motoqueiros, mesmo eu nunca tendo colocado os pés por lá. Com isso, para além da pressão um pouco sensacionalista que a mídia me vendeu, resolvi subir a estrada da Gávea, principal rua que corta a Rocinha.
No caminho pude observar os detalhes e expressões dos sentimentos de cada morador. Alguns, espantados com o forte aparato militar das Forças Armadas, aparentavam sentir medo. Outros demonstravam receio, alguns esperança, mas sempre com aquele sorriso escondido toda vez que você os encarava. Daí percebi que o problema era o mesmo que vivia na minha comunidade. Resolvi acompanhar um grupo de jovens militares que, pelas expressões de seus olhos, estavam realmente mais assustados do que os moradores da comunidade. Bem devagar me aproximava deles para que eu pudesse, mesmo que baixinho, ouvir suas conversas, enquanto apontavam seus fuzis para as lajes e becos por onde passavam. Um deles disse que nunca tinha colocado os pés na Rocinha. E que sempre a admirava, mesmo nunca tendo estado lá. Talvez ele nunca conheceu porque morasse, também, em alguma comunidade. Consequentemente, podia existir alguma rivalidade com a Rocinha. O jovem soldado lamentou pisar na Rocinha logo junto de seu fuzil, que apelidou de “Maria”.
Na parte alta da comunidade, no lugar onde a beleza do Rio era percebida de camarote, consegui entender, mesmo que um pouco, o que dizia a grande mídia. A Rocinha é um lugar enorme e localizado bem no meio de boa parte de toda a elite carioca. Mas os destaques que eu procurava não era a Zona Sul e suas regalias, e sim o que aqueles moradores poderiam me contar sobre como era viver naquele lugar que, de uma hora para outra, se tornou notícia. Fiquei ao longo de várias horas procurando sobre o que escrever e fotografar.
Não conseguia encontrar o que procurava. Mas o que de fato eu procurava!? Acho que não sabia. Já desanimado, de repente, uma cena marcante surge em meio aos becos da comunidade. Três pequenos irmãos viraram uma esquina de mãos dadas e logo travaram, assustados, observando aqueles homens armados em sua frente. O grupo, que era guiado pelo mais velho, de uns seis anos, tinha uma missão: comprar pão. Mas o medo deles ao verem aquele grupo de soldados o impediu de dar mais um passo à frente. Peguei minha câmera e comecei a acompanhar de longe aquelas crianças. Ali pude ver o destaque que eu tanto queria registrar.
Diferente daquele que foi noticiado na mídia. Aquele soldado que eu acompanhei subindo a Rocinha, sem hesitar, foi até os meninos e pegou na mão do mais velho, guiando-os até a porta da padaria. Foi o encontro dos meninos.
Por um momento parei, aí fui eu que me vi travado. Aquela cena ocorreu tão naturalmente, mas em poucos segundos, falou tanto. Todos na fotografia e nesta história são meninos. Moradores de favelas com os mesmos sonhos, com os mesmos ideais e planos. Desde aquelas crianças que viveram momentos de terror na comunidade e não foram para a escola por conta da operação militar, até o jovem soldado que subia a Rocinha pela primeira vez como um turista entusiasmado, espantado e com medo. Uns com saco de pão na mão, e o outro, com um fuzil.
Somos todos iguais, braços dados ou não…