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Família chora morte de Thiago Santos, estudante baleado dentro de casa na Penha

"Lá na praça tá cheio de polícia, tem polícia lá na porta do Gel... Não pode não! E nem fica também abrindo a janela e olhando aí pro mundo não, tá?!', pediu a avó minutos antes do estudante ser atingido
Thiago Santos Conceição - Morro da fé - Penha - 18/062021. Foto: Renato Moura / Voz das Comunidades
Thiago Santos Conceição - Morro da fé - Penha - 18/062021. Foto: Renato Moura / Voz das Comunidades

Reportagem: Ariel Freitas e Melissa Cannabrava
Colaboração: Victória Henrique

Por volta das seis horas da manhã de hoje (18), os moradores do Complexo da Penha acordaram com os primeiros registros de sons de disparos de armas de fogo e helicópteros na região. Mesmo com a proibição do Supremo Tribunal Federal, os barulhos significavam o início de mais uma operação policial nas comunidades cariocas. Desta vez, com o nome ‘Coalizão do Bem’, os agentes da Polícia Civil e da Polícia Militar prosseguiram pelos territórios do Morro da Fé, Zona Norte do Rio de Janeiro. 

No decorrer das horas, por volta das dez da manhã, o jovem Thiago Santos Conceição, de 16 anos, ainda se preparava para encarar as demandas diárias na sua rotina. Ao despertar de mais uma noite de sono, o jovem estudante do segundo ano do Colégio Estadual Professor José de Souza Marques decide sair da cama e ir para a outra parte da sua residência (a sala) onde seus familiares já estavam reunidos. No momento que abre a porta do seu quarto, o adolescente é alvejado por um disparo de arma de fogo na cabeça. 

Amante da cultura autodidata, Thiago mesclava o seu trabalho em refrigeração com a prática diária de violão através de vídeos no Youtube. Com a morte dele, o Rio de Janeiro alcança o número de 20 adolescentes baleados em 2021, com 7 deles tendo o futuro interrompido. Os dados são da pesquisa realizada pelo Instituto Fogo Cruzado.  

Thiago Santos Conceição - Morro da fé - Penha - 18/062021. Foto: Renato Moura / Voz das Comunidades
Thiago Santos Conceição foi atingido dentro de casa durante operação no Complexo da Penha.
Foto: Renato Moura / Voz das Comunidades

Incentivador das escolhas profissionais do Thiago, Jeovane Gilson Souza Santos, tio do jovem, solicitava a ajuda do sobrinho em serviços pontuais. No dia de hoje, ele o ajudaria em uma obra. Ainda atordoado com a situação, o parente descreve o adolescente como um garoto sonhador, que almejava seguir carreira militar, e de múltiplas funções – já que realizava um curso de arco e flecha no Recreio dos Bandeirantes ao mesmo tempo que praticava violão em casa. 

“Ele tinha o hobby de soltar uma pipa aos finais de semana e aprender violão a partir dos vídeos no Youtube. Um garoto do bem. Aliás, o projétil atingiu o equipamento musical dele após alvejá-lo”, comenta. Jeovane ainda conta que, naquele momento, não houve troca de disparos na região.

Thiago Santos Conceição - Morro da fé - Penha - 18/062021. Foto: Renato Moura / Voz das Comunidades
Tio mostra onde o estudante estava no momento em que foi baleado.
Foto: Renato Moura / Voz das Comunidades

“Assim que ele fechou a porta e virou, o disparo entrou pela janela que fica em frente ao quarto e ele caiu. No que ele caiu, a irmã, que estava ao lado da mãe dele, gritou ‘mãe, o Thiago caiu’. Quando as duas olharam mais atentamente, ele já estava cheio de sangue e com uma marca de perfuração na testa. Naquele momento de disparo, só tinha a Polícia Civil na comunidade, não houve reação nenhuma, confronto nenhum… o único disparo foi esse que vitimou o Thiago: o disparo da polícia”, revela.

A veracidade do posicionamento do parente também foi confirmada em entrevista coletiva da Polícia Civil e da Polícia Militar sobre os resultados da ‘Operação Coalizão do Bem’, que disse que não houve confronto e nem ação na região. 

AVÓ PEDIU PARA JOVEM NÃO FICAR PERTO DA JANELA

Thiago Santos Conceição - Morro da fé - Penha - 18/062021. Foto: Renato Moura / Voz das Comunidades

Minutos antes de Thiago ser baleado, a avó do jovem enviou uma mensagem orientando o neto a se manter dentro de casa, pois acreditava que era mais seguro. Na mensagem, enviada às 10:29, ela pede que Thiago evite ficar perto das janelas. 

“Ô, Thiago. A areia chegou, mas não pode apanhar agora… carregar nada agora porque o morro tá cheio de polícia, tá? Lá na praça tá cheio de polícia, tem polícia lá na porta do Gel… Não pode não! E nem fica também abrindo a janela e olhando aí pro mundo não, tá?! Todo mundo dentro de casa! Não tá podendo sair de casa não, e nem pode ficar daí da janela olhando nada! Tá bom? Quieta o facho dentro de casa! Quando acalmar tudo eu te falo, tá bom? Tchau…”

O DESPREPARO POLICIAL EM OPERAÇÕES POLICIAIS NO RIO DE JANEIRO

O despreparo em operações e ações policiais no Rio de Janeiro tem sido uma constante nos últimos 45 dias – e nem a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em proibi-las durante a pandemia consegue evitar isso. 

No dia 6 de maio, na Operação Exceptis, da Polícia Civil, 28 pessoas foram mortas em chacina realizada no Jacarezinho. No dia 9 de junho, a jovem Kathlen Romeu, de 24 anos, também foi morta em uma ação policial em Lins de Vasconcelos. A decoradora de interiores estava grávida de 14 semanas. 

Thiago Santos Conceição - Morro da fé - Penha - 18/062021. Foto: Renato Moura / Voz das Comunidades
Família diz que policias negaram socorro. Jovem chegou no hospital sem vida.
Foto: Renato Moura / Voz das Comunidades

Além dos altos índices de mortes nos últimos dias, há registros de negligência no atendimento dos feridos durante as intervenções. Segundo Jeovane, os familiares do Thiago solicitaram socorro aos policiais presentes na comunidade, mas o pedido foi negado. 

“Eu fui pedir ajuda aos policiais para socorrer ele e eles negaram o atendimento. Eu tive que pegar o meu carro, vim pegar ele, botei ele dentro do carro, fui para o hospital e em seguida o doutor disse que ele já estava morto”, expõem.  

Thiago Santos Conceição - Morro da fé - Penha - 18/062021. Foto: Renato Moura / Voz das Comunidades
Mônica Cunha, integrante da Comissão dos Direitos Humanos da ALERJ e o defensor público, Guilheme Pimental, prestaram os primeiros atendimentos à família de Thiago.
Foto: Renato Moura / Voz das Comunidades

Mônica Cunha, integrante da Comissão dos Direitos Humanos da ALERJ, questiona as condições vivenciadas pelos moradores nas comunidades cariocas. Segundo ela, a atuação dos agentes de segurança pública nesses espaços é direcionada ao extermínio da população.

“Quem é que vai conseguir parar essa máquina de matar? Porque a gente sabe que amanhã tem outro. Há dez dias foi Kathlen Romeu. Há 30 dias foi o Jacarezinho. Quem é que pode parar essa máquina de matar?”, questiona.

OPERAÇÕES ESTÃO SUSPENSAS DURANTE PANDEMIA

A proibição das operações em favelas do Rio de Janeiro entrou em vigor em 5 de junho de 2020 e, apesar do texto destacar a responsabilidade civil e criminal em caso de descumprimento, a decisão não exemplifica quais são as “hipóteses absolutamente excepcionais” que permitem as ações.

Enquanto isso, a Secretaria de Estado de Polícia Militar (SEPM) assumiu, a partir de uma nota enviada pela assessoria de comunicação, que ocorria uma operação em conjunto com a Secretaria de Estado de Polícia Civil (SEPOL) na Vila Cruzeiro, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, nesta sexta-feira.

De acordo com a família de Thiago e vizinhos moradores do Morro da Fé, não houve troca de tiros na comunidade, que está localizada a cerca de 2km da Vila Cruzeiro.

“OPERAÇÃO COALIZÃO PELO BEM”

“Pelo bem”. Assim foi nomeada a “coalizão” que resultou na morte do jovem de 16 anos. De acordo com a plataforma Fogo Cruzado, Thiago foi o 20° adolescente baleado na região metropolitana do Rio em 2021. Desses adolescentes, sete morreram.

“Não existe lugar seguro para quem é negro e pobre no Rio de Janeiro. Thiago estava em casa. Morreu em casa. Quantas vezes vimos ações policiais vitimando jovens brancos já Zona Sul? Você consegue lembrar um nome?”

Nossos dados mostram que metade dos adolescentes baleados no Rio foi ferido durante ações policiais. Nos perguntamos: por que quem pode mudar algo, não muda? Isso nos faz crer que estas pessoas, desta cor, que moram nestes lugares, não importam” afirma Cecília Oliveira, diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado.

Thiago Santos Conceição - Morro da fé - Penha - 18/062021. Foto: Renato Moura / Voz das Comunidades
Thiago Santos, 16 anos.
Foto: Renato Moura / Voz das Comunidades

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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