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Com a volta às aulas, alunos e pais encaram operações policiais frequentes nas comunidades

Além de enfrentarem os desafios da educação atual, estudantes de favela ainda lidam com as consequências da violência do estado
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

Nós, que moramos nas favelas, ficamos entre a cruz e a espada!”, desabafa Regiane Chagas, de 28 anos, que encara uma tarefa que cada vez mais se torna complicada nas comunidades cariocas: a de levar os filhos para a escola pela manhã. Moradora do Complexo da Penha e mãe de Allicya Victoria, de 12 anos, ela expõe um cenário de preocupação nesse retorno das aulas presenciais. Pois, junto com essa retomada, os tiroteios e operações policiais marcam presença e atravessam o desenvolvimento escolar dos estudantes. 

Para Regiane, que trabalha longe de casa, a situação se transforma em uma ansiedade constante na rotina, porque é necessário a atenção constante ao celular enquanto está no serviço. De acordo com ela, a instituição de ensino da sua filha, a Escola Municipal Joracy Camargo, fica em uma das regiões mais afetadas nessas ações dos agentes de segurança pública. “Eu fico com a cabeça explodindo sem saber como será o retorno para casa”, relata. 

Desde o retorno das atividades escolares de forma presencial, a educação nas comunidades cariocas é atravessada por temas de segurança pública. No Complexo da Penha, por exemplo, o brilhantismo e desenvolvimento de Allicya, uma das vencedoras da última Olimpíadas de Matemática Carioca e que ganhou uma passagem para os Estados Unidos, é dificultado devido à região registrar 7 tiroteios intensos desde o início do ano, segundo o Instituto Fogo Cruzado Rio de Janeiro. 

Nesses disparos de armas de fogo e supostos confrontos, o Complexo da Penha registrou, no dia 11 de fevereiro, a operação policial mais letal de 2022 até o momento, com 9 pessoas mortas a tiros. Em razão do clima de risco à integridade física dos alunos e responsáveis, as atividades nas escolas foram suspensas junto com as unidades de saúde; mesmo com o país enfrentando uma crise sanitária com as variantes do coronavírus. 

Para a educadora social e professora Suelen Souza, de 24 anos, esse contexto precário só é sentenciado aos jovens que residem nas favelas do Rio de Janeiro. Ela, que atualmente trabalha em uma escola privada na Zona Sul, mas já lecionou em escolas públicas dentro de comunidades, percebe que o desenvolvimento da criança dos bairros considerados nobres é mais prestigiado pelo Poder Público. Enquanto isso, os jovens de regiões mais vulneráveis não desfrutam desse direito constitucional. Ela ainda ressalta que o medo atrapalha na concentração e na formação do aluno. 

“A presença do caveirão remete mais a medo do que segurança, pois a qualquer momento pode surgir um tiroteio. A sala de aula do meu filho fica em frente a rua e temo muito que um disparo de arma de fogo encontre ele enquanto ele estuda”, revela. 

“Você percebe que a condição de segurança pública nas escolas que estão localizadas em bairros mais nobres é um dos fatores levados em conta durante a educação escolar. Não há tiroteios ou operações nesses bairros. Já nas favelas, as crianças convivem com esse fator frequentemente. Agora, a gente para e pensa: se uma simples separação entre os pais já afeta o desenvolvimento da criança, de forma psicológica, imagina lidar com o cenário de operações policiais constantes? E pior, perder uma colega ou amigo próximo durante elas? Estamos falando de crianças”, aponta. 

Mães subindo a rua para deixar seus filhos na escola Mourão Filho
Foto: Selma Souza/Voz das Comunidades

O posicionamento da educadora social vai de encontro com a pesquisa “Tiros no Futuro: Impactos da guerra às drogas na rede municipal de Educação do Rio de Janeiro”, na qual revelou que 74% das escolas cariocas tiveram ao menos um tiroteio no seu entorno em 2019, último ano antes da pausa das atividades presenciais em razão do coronavírus. Nesse levantamento de dados, o estudo avaliou 1.577 centros de ensino e ouviu 641.534 alunos. As instituições municipais foram as mais expostas à violência naquele período e, de acordo com o Fogo Cruzado, as escolas de ensino fundamental registraram, ao menos, um tiroteio com a presença de agentes de segurança. 

Para Elaine Pacheco, de 43 anos e mãe do estudante Marcelo, a preocupação com a vida do seu filho aumenta quando o carro blindado da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro estaciona em frente ao Colégio Estadual Jornalista Tim Lopes, na Estrada do Itararé, no Complexo do Alemão. Segundo ela, o veículo representa um iminente tiroteio ou operação policial, situação que coloca em risco a integridade física dos alunos da escola e de quem transita pelo local 

Além do clima tenso de disparos de armas de fogo, Suelen aponta que os estudantes nas comunidades convivem com uma estrutura insuficiente nas escolas públicas, com a falta de energia elétrica, água e de materiais para uso comum. Uma situação que tem sido um problema repetido nos centros de ensino. 

Também professora, Ana Carolinna, de 20 anos, ressalta que a educação nas comunidades é permeada por diversos indicadores que dificultam o acesso à informação e às áreas que possibilitam o bem-estar e direito à dignidade de quem reside nas favelas cariocas. Para ela, que é moradora da Merendiba, no Complexo da Penha, existe um déficit educacional por causa dos danos gerados pela pandemia do Covid-19. E, agora, cresce um problema humanitário enorme no desenvolvimento dos jovens em razão dos tiroteios frequentes. 

“A gente que é pobre, e sempre busca maneiras de garantir a educação, lida com diversas pedras pelo caminho, como a falta de acesso à escola. Por causa da pandemia, o desenvolvimento de muitos alunos foi prejudicado. Na Penha, por exemplo, logo nas primeiras duas semanas de retorno às aulas de forma presencial, os estudantes tiveram dois dias sem aula em razão das operações policiais na região. Se o lado humano já causa um dano irreparável, imagina na perspectiva pedagógica? Nossas crianças encaram diariamente essa realidade”, comenta. 

Para entender os motivos das ações e operações policiais estarem agendadas no turno de estudo dos alunos nas comunidades cariocas, a equipe de reportagem do Voz das Comunidades entrou em contato com a Secretaria Municipal de Educação (SME) e a Secretaria de Municipal de Ordem Pública (SEOP) para solicitar um posicionamento sobre a estratégia adotada pelas instituições e se há uma comunicação entre as instituições a respeito do tema. 

Porém, até o fechamento desta matéria, nenhuma das divisões conectadas com a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro retornou as tratativas de contato. Entretanto, a reincidência das ações e operações no primeiro horário da manhã, momento em que os estudantes e os responsáveis estão em trânsito escolar, indica que há uma estratégia priorizada pelos agentes de segurança pública nas favelas. E, pelo não retorno da SME sobre a temática, o departamento não possui nenhuma crítica ou pontos a ressaltar sobre a fórmula gerenciada pelos policiais nessas localidades. 

 Pais e filhos temem o pior enquanto se direcionam para as escolas
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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