“Todo dia eu revivo o dia em que o meu filho não volta mais para casa”.
Esse é o desabafo de Sandra Gomes, mãe de Matheus Gomes. O jovem tinha 21 e foi uma das 28 vítimas da Chacina no Jacarezinho, que completou três anos nesta segunda-feira. São 1.101 dias em que famílias sofrem de saudade.
Foi no dia 6 de maio de 2021, quando a polícia do Rio de Janeiro entrou na favela do Jacarezinho, Zona Norte do Rio, e realizou a chacina mais letal da história do Estado. A operação da Polícia Civil contou com 300 agentes e resultou na morte de 28 pessoas.
Atualmente, três anos depois do ocorrido, as famílias continuam sofrendo com a impunidade. “Nada mudou. Quando se trata de mortes na favela e um corpo preto infelizmente nada acontece. A sensação que eu tenho é que meu filho, aos olhos da justiça, não existe”, conta Sonia, a mãe de uma das vítimas.
Ela relata que mesmo depois dos 3 anos, ainda é difícil seguir em frente, ainda mais sem a indenização do Estado. “Tudo isso mudou a minha vida, a vida da minha família e dos meus filhos. Eu me tornei hipertensa, diabética. Meu filho de 17 anos convive com uma depressão, crise de ansiedade. A vida dele meio que estagnou desde que ele perdeu o irmão. A gente ainda vive nesse ciclo de sofrimento”.
Sandra, assim como as outras famílias das vítimas, sentem uma profunda revolta. “Meu filho tem nome e sobrenome. Tem uma família por trás. Eu sei que toda vez que eu preciso lutar pela dignidade e pela memória dele, eu viro um alvo. A bala de fuzil pode me achar, mas eu não posso desistir, porque ele sempre terá uma voz pulsando em mim”, desabafa.
Quando a chacina completou 1 ano, moradores e entidades sociais realizaram uma marcha que finalizou na inauguração de um memorial com os nomes das vítimas em uma placa. O Voz das Comunidades acompanhou o ato de mães que pediam justiça.
Uma semana depois da mobilização, a Polícia Civil derrubou o memorial com os nomes das vítimas da Chacina do Jacarezinho. Na época, o Voz das Comunidades entrou em contato com a instituição para questionar o motivo da destruição da placa com os nomes das vítimas, A polícia respondeu, em nota, dizendo que o memoria fazia “apologia ao tráfico”, além de não ter “autorização da Prefeitura do Rio de Janeiro”.
Relembre o caso:
- Policiais destroem memorial em homenagem aos 28 mortos da chacina do Jacarezinho
- Chacina no Jacarezinho completa 1 ano; 10 das 13 investigações foram arquivadas
Missa pelas vítimas da Chacina
Para que nunca sejam esquecidos, as famílias das vítimas da Chacina do Jacarezinho vão realizar uma missa nesta segunda-feira (6), às 19h na Paróquia Santa Bernadete, que fica localizada na Avenida dos Democráticos, 896, no bairro de Higienópolis, Zona Norte do Rio.
O Jacarezinho hoje
Depois de tamanha atrocidade, muitos se perguntam como a favela do Jacarezinho vive hoje. Teve melhorias? As operações policiais continuam constantes? Inocentes continuam sendo vítimas?
Segundo relato de moradores a situação conseguiu piorar para o povo do Jacarezinho. Há dois anos o Governo do Estado instaurou o Programa ‘Cidade Integrada’ na tentativa de oferecer projetos sociais e serviços disponíveis à comunidade. Mas foi só tentativas e promessas. Na prática, nada funcionou.
O Instituto Fogo Cruzado contabilizou os números das operações realizadas no Rio de Janeiro e só no início do mês de Janeiro de 2024 o Jacarezinho encabeçou a lista de tiroteios intensos. No mês de Janeiro, a favela do Jacarezinho teve trinta dias consecutivos de operação e constantes tiroteios.
O que dizem as autoridades?
O Voz das Comunidades entrou em contato com a assessoria do Governo do Estado perguntando sobre o que foi feito nesses últimos três anos e se o Estado tem um posicionamento perante as 28 famílias que seguem sem indenização. Até o fechamento dessa matéria ninguém respondeu.
Entramos em contato também com o Ministério Público, que respondeu com um link de notícia sobre as últimas informações sobre o processo do Jacarezinho, o mesmo enviado a nossa equipe há um ano atrás. Questionados, também, sobre os casos de arquivamento realizados nos últimos dois, eles responderam em nota: “A Força-Tarefa criada pelo MPRJ para atuar nas investigações da operação ofereceu denúncias e arquivamentos. Durante sua vigência, de apenas um ano, a Força-Tarefa conseguiu dar respostas efetivas à sociedade fluminense sobre a atuação da Polícia Civil durante a intervenção na comunidade, graças à atuação coletiva especializada, que contou, inclusive, com investigações próprias.” O documento trata da denúncia dos réus Amaury Godoy Mafra e Alexandre Moura de Souza, policiais civis, denunciados pelo homicídio doloso de Richard Gabriel da Silva Ferreira e Isaac Pinheiro de Oliveira, durante incursão no Jacarezinho.