No sambódromo da Sapucaí, a última noite representou o reencontro com os diversos valores relacionados às comunidades cariocas e à cultura popular brasileira na Série Ouro do Carnaval carioca. Entre eles, o abraço na ancestralidade negra, a resistência e potência favelada através das reivindicações por justiça nos carros alegóricos e a exaltação da felicidade – um sentimento fortalecido em cada escola de samba que desfilou na maior quadra de carnaval do Brasil.
Com o objetivo de acompanhar de perto esse retorno carnavalesco após dois anos, a equipe de reportagem do Voz das Comunidades realizou a cobertura das apresentações do dia 21 das organizações que são de alguma favela da cidade do Rio de Janeiro. Esse trabalho jornalístico segue até a finalização do carnaval na Sapucaí. Abaixo, confira os detalhes da última noite.
A cobertura dos desfiles das escolas localizadas nas favelas do Rio de Janeiro iniciou com a volta da Lins Imperial à Sapucaí após nove anos longe da quadra principal. Localizada na comunidade de Lins de Vasconcelos, a organização homenageou o ator e humorista Mussum em seu samba enredo. Famoso pelo programa humorístico “Os Trapalhões”, o artista residia na favela da Zona Norte.
Para a presidente da escola mirim de Lins Imperial, Érica Renata, de 42 anos, o desfile deste representa a potência e toda trajetória que a cultura negra produziu nos últimos anos. Na escola há 14 anos, ela acompanhou de perto todo o processo desse retorno à Sapucaí. “Com certeza estamos muito animados com esse retorno. Só quem respira o carnaval entende o que está aqui representa”, comenta.
Com um carro alegórico direcionado aos rostos dos seus alunos da escola mirim, Érica conta que tem muito orgulho de presidir essa ala em especial. Pois, é no contato com essa área que surgem novos amantes da cultura carnavalesca. Ela ainda ressalta que esse momento é essencial para demonstrar os interesses do morro. “No carnaval, todos estão nos assistindo. É nesse momento que podemos nos reivindicar”, detalha.
Logo após a exibição de Lins Imperial, a Unidos de Padre Miguel, localizada no bairro Padre Miguel, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, ingressou com o entusiasmo de quem almeja o tão sonhado acesso ao Grupo Especial do Carnaval carioca. Há anos com o “quase”, a escola apresentou um desfile direcionado ao reencontro com a ancestralidade através do orixá Iroko. Com carros alegóricos, passistas e bandeiras associadas às origens e à natureza, a UPM (como é conhecida) trouxe na sua comissão de frente a árvore Gameleira.
Há 9 anos à frente da comissão de frente da Unidos de Padre Miguel, David Lima, de 39 anos, ainda possui o mesmo olhar encantado do seu primeiro desfile coordenando a coreografia da escola. Nem os dois anos sem carnaval foram capazes de apagar esse brilho.
“Esse retorno é muito especial. Depois de dois anos sem carnaval, esse é o momentinho para voltarmos à nossa origem, às nossas raízes e de nos reencontramos. É tempo de Iroko”, define.
Além desses detalhes durante a apresentação, um período anterior chamou a atenção de quem estava na região. Antes da entrada da Unidos da Padre Miguel na Sapucaí, a torcida da organização realizou cinco minutos de estouros de fogos de artifício na Avenida Presidente Vargas.
Na sequência da UPM, o desfile da Série Ouro recebeu a Acadêmicos de Vigário Geral, localizada no bairro da Zona Norte que leva o nome da organização. Também com um samba enredo direcionado às questões étnico-raciais, a escola trouxe a temática de “Pequena África” para a Sapucaí, falando sobre o pertencimento, escravidão e outras experiências que atravessaram a trajetória do continente africano e dos seus descendentes.
Para a presidente Elisabete de Cunha, de 42 anos, e conhecida como Betinha, o “pique” só aumentou com esse período de dois anos sem carnaval. Mesmo com as atividades interrompidas, a paixão carnavalesca e a esperança do retorno em breve acompanharam firmemente a organização. “O carnaval é nossa vida”, destaca.
De forma inusitada, a ala das baianas de Vigário Geral trouxe, direto de Salvador, Bahia, a integrante Miralva Teixeira, de 60 anos. Com uma vida inteira dedicada à festa popular, ela sente que o clima deste ano é mais do que especial. Segundo ela, que é a única de origem baiana na área da escola, o momento é de celebração e resistência popular.
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