‘Qualquer jovem negro pode ser preso a qualquer momento’ diz presidente da ONG sobre rapaz da Penha detido em Ipanema

Estudante de teatro no Arte Transformadora, Marcos Tavares estava na praia da zona sul na segunda (28) quando foi acusado e preso; jovem recebeu liberdade provisória na quarta (02)
Foto: Reprodução

Um jovem carioca resolveu ir à praia na segunda-feira de Carnaval, algo comum em se tratando de qualquer um que more no Rio de Janeiro. Mas, quando se trata de um jovem negro de cabelo descolorido na Zona Sul do Rio, não parece ser um passeio seguro.

Prova disso é a prisão, sem provas, de Marcos do Nascimento Tavares Carreiro, de 19 anos, morador do Complexo da Penha, Zona Norte da cidade, que é aluno de teatro na ONG Arte Transformadora e monitor de percussão na ONG Liga do Bem. Marcos se alistou no serviço militar e deveria começar esta semana no Instituto de Biologia do Exército, em Benfica, para onde foi designado.

Sobre o Caso

Na dia 28 de fevereiro, o estudante foi preso por suspeita de roubo na Praia de Ipanema, Zona Sul da cidade. Ele estava caminhando na orla para chegar até o Arpoador quando foi acusado de ter roubado um celular. Marcos não chegou a ser ouvido e foi levado para a 14ª DP (Leblon). Ele foi detido após duas turistas do Maranhão o apontarem como um dos integrantes do grupo que roubou o celular de uma delas. Ele não tem passagem pela polícia.

Na quarta-feira (2), Marcos saiu da prisão de Benfica. O juiz Antonio Luiz da Fonsêca Lucchese acolheu o posicionamento do Ministério Público pela liberdade provisória, alegando que as investigações devem ser aprofundadas sobre a autoria do crime. Marcos deverá ainda cumprir medidas cautelares e terá que comparecer mensalmente ao cartório da 14ª Vara Criminal da Capital. Além disso, não poderá se ausentar do Rio de Janeiro por mais de 10 dias, nem mudar de endereço sem comunicação prévia ao juízo. Em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz poderá decretar a sua prisão preventiva com a expedição de mandado de prisão.

Foto: Divulgação

Em entrevista ao G1, o pai de Marcos, Marcelo Luis Tavares Carreiro, disse: “Não sei se é porque ele é negro e está com cabelo loiro que pensaram em fazer essa covardia”. Marcelo contou ainda que o delegado não quis ouvir as testemunhas e ainda falou que, se não fossem embora, ele [Marcelo] poderia ser preso também. Além disso, compartilhou na reportagem que um policial militar falou que a parte dele havia sido feita [tentar fazer com que o delegado ouvisse as testemunhas], mas que ele não queria ouvir mais ninguém.

Ana Paula, ONG Liga do Bem, Marcos e seu pai, Marcelo, durante entrevista para emissora rede Globo
Foto: Divulgação

Posicionamento da ONG Arte Transformadora

Albert Alves, presidente da ONG Arte Transformadora, conta que, assim que souberam da prisão do rapaz, acharam que era uma informação falsa. Logo após a confirmação, começaram com os trâmites para provar que Marcos não é um criminoso. “Pediram a ficha de presença e de inscrição do aluno Marcos, além de uma declaração de próprio punho falando sobre o comportamento dele junto à ONG e uma carta em papel timbrado oficializando tudo”, explicou. 

Albert conta que uma das coisas que mais mexeram com ele, e que vai ficar sempre em sua memória, é o fato de as pessoas falarem sobre “estar no lugar errado, na hora errada”. O presidente da ONG em que Marcos faz teatro desabafa: “Na verdade, assim como o pai dele mesmo falou, Marcos estava no lugar certo e na hora certa, porque isso é culpa do Estado racista. Eles são jovens e têm o direito de se divertir. Somos livres, não existe hora, nem lugar para estarmos. Eles são jovens periféricos, mas têm acesso pleno a todos os espaços e territórios do Rio de Janeiro e do Brasil”. E, por direito, todo cidadão deveria ter.

Espetáculo na Arena Chacrinha. Marcos está de blusa e boné pretos ao fundo e Albert de blusa e boné pretos à frente
Foto: Divulgação

Para finalizar, o presidente conta como é Marcos na rotina da ONG e destaca como a sociedade é racista, quando se fala de jovens de favela. “Falar do Marcos é simples. Ele é um menino educado que, quando solicitado para qualquer ação, sempre está disposto. É um menino muito proativo e sempre está presente nos nossos workshops. Também já realizou duas vezes um espetáculo. Sem sombra de dúvidas, é um cara muito atuante. Infelizmente, qualquer jovem negro da periferia pode ser preso injustamente em qualquer lugar e a qualquer momento, por conta dessa galera racista. Mas, os sonhos do Marcos não vão ser frustrados. Saímos do presídio e paramos para almoçar. Então demos um conselho unânime para ele: pegar essa situação ruim e transformar em luta para que outros jovens não venham a sofrer o mesmo“.

Procurada pela equipe de reportagem do Voz das Comunidades, a Polícia Civil se pronunciou dizendo apenas que, de acordo com a 14ª DP (Leblon), os suspeitos foram encaminhados pela Polícia Militar para a delegacia, testemunhas e vítimas foram ouvidas e duas delas fizeram o reconhecimento presencial dos autores. A polícia disse ainda que o procedimento foi realizado conforme a Lei e encaminhado à Justiça.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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