Nós, povos da floresta, queremos garantir o direito ao nosso território

A Amazônia não é só um lugar bonito para se mostrar ao mundo ou o quintal do Brasil, é o nosso lar

Foto:  Leonardo Milano / Protesto do povo indígena Tupinambá em defesa do Tapajós 
Por: Walter Kumaruara e Ana Costa para PerifaConnection, na Folha de S.Paulo

Queremos viver, mas não sabemos até quando iremos resistir!

Somos povos da floresta, filhos dos encantados e guardiões deste pedaço de chão. Por sermos resistência, defendemos a nossa casa: a floresta e toda a biodiversidade que só temos aqui.

Não bastasse a pandemia do novo coronavírus dizimando a população mundial, enfrentamos em nossa terra os desafios cotidianos com os avanços das mineradoras, madeireiras, monoculturas e grilagem, que vêm exterminando nossa biodiversidade, nossas culturas e nossos povos.

Da mesma forma que as árvores perdem suas vidas diante das motosserras, sentimos que nossas histórias estão sendo arrancadas por suas raízes porque entendemos a existência a partir da conexão com a natureza.

Nossos pais e avós lutaram pela criação da reserva extrativista Tapajós-Arapiuns. Em meados de 1997, madeireiras tomavam conta do território e exploravam a madeira sem diálogo com as comunidades.

Os discursos desenvolvimentistas da época eram os mesmos de agora e, se não fosse essa luta, talvez muitas de nossas comunidades não existiriam.

Ouvimos dos nossos antepassados o quanto foi difícil unir as comunidades de Tapajós e de Arapiuns para lutarem por um objetivo comum: garantir a proteção de um território que abrigasse a vida e a cultura de mais de 10 mil indivíduos. Atualmente somos mais de 23 mil pessoas ocupando esse território.

Infelizmente o que vemos agora é o retorno de um pesadelo, pois os projetos de exploração de madeireira que haviam sido retirados da Resex avançaram na região vizinha. Por lá grandes áreas estão sendo exploradas por empresas, que estão, inclusive, sob suspeita, por meio de investigação da Polícia Federal, de estarem retirando madeira ilegalmente.

Diante dessa situação, como infelizmente sempre acontece, estamos desamparados. Parece que não importa o quanto gritamos por socorro, é como se nossa voz não tivesse som.

Quem conhece nossa luta sabe que o poder público não é nosso parceiro. Diante dos principais fatos revelados sobre a atual posição do governo para com as florestas, tememos pelo futuro. Por isso, não podemos nos omitir, precisamos de ajuda para manter nosso território.

Salvar a Amazônia só é possível se permanecermos vivos, fortes e lutando dia após dia como tem sido desde a geração de nossos e nossas bisavós!

O que podemos refletir com tudo que está acontecendo no nosso território? Há uma grande discussão na Resex sobre os planos de manejos madeireiros e tudo isso é muito complexo.

Podemos observar que os locais que Ricardo Salles visitou, em Santarém, são perto das áreas de plano de manejo proposto na Resex.

Se até o ministro do meio ambiente está sendo acusado de envolvimento em crime ambiental, nos resta perguntar: a quem devemos recorrer? A quem interessa nosso extermínio? A quem interessa o avanço da grilagem de terras em plena pandemia? Quanto mais de floresta temos que perder?

A Amazônia não é só um lugar bonito para se mostrar ao mundo, não é o quintal do Brasil. Esta grande região é o equilíbrio dos ecossistemas mundiais e o nosso lar.

Vê-la ameaçada pelo governo, por empresas, por interesses particulares nos consome. Por favor, não deixem isso continuar acontecendo. Não permitam que nossa história seja apagada. Estamos fazendo a nossa parte, mas parece nunca ser o suficiente.

Walter Kumaruara
Membro da comunidade de Pedra Branca, do povo Kumaruara. É fundador do coletivo Jovem Tapajônico e mobilizador da Rede Mocoronga de Comunicação Popular

Ana Costa
Nativa da Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns, estudante de Biologia, brigadista, comunicadora popular e aprendiz

PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias, é feito por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento. Texto originalmente escrito para Folha de S. Paulo.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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