Foto: Matheus Guimarães / Voz das Comunidades
Pensar a pandemia implica em ter que tratar das inúmeras mortes que ocorrem por causa dela. Estamos diante de um inimigo de caráter biológico e ainda que os Estados Unidos ocupem o cargo de epicentro mundial, o Brasil apresenta um número alarmante de vítimas por covid-19. Mas essa nova configuração do “inimigo” evidenciou ainda mais os problemas já existentes nas áreas de políticas públicas e apresenta severamente de modo concretizado a realidade com a qual a população pobre de um país desigual como o Brasil lida rotineiramente. O que se torna patente aqui para além dos corpos afligidos pelo vírus, é a responsabilidade do Estado, como principal autor desse sistema opressivo.
As favelas também concentram resultados que não param de crescer. Na última sexta-feira (21), das 25 favelas do Rio que o Voz das Comunidades acompanha, são 5.064 moradores infectados e o número de mortes já chegou a 678. A mesma população que era vulnerável a findarem suas vidas por um projétil de bala, hoje, durante a pandemia, pensa muito mais em meios de sobreviver do que viver. A Covid-19 intensificou o terreno de desigualdades sociais fruto de um Estado que pouquíssimas vezes efetivaram ações progressistas para os territórios favelados.
. O mesmo Estado que administra helicópteros blindados da polícia militar que sobrevoam a favela rotineiramente, seguem moradores, e baleiam crianças no trajeto de ida para escola. Nesse sentido, a recomendação básica que foi adotada imediatamente quando os primeiros casos de coronavírus foram notificados foi o isolamento social. Uma medida que visava a segurança e uma possibilidade de resguardar a própria vida. No entanto, é preciso se perguntar a quem era endereçada essa recomendação? Certamente não à favela, que precisa ficar em casa por outras razões, e cuja experiência contém uma outra preocupação: como manter o meu corpo em segurança dentro de casa se posso ser morto não pelo vírus, mas baleado pelo Estado?
A simples medida de isolar socialmente dentro do ambiente domiciliar visando a segurança é algo aplicável para todos, porém ao pensarmos os corpos favelados e demais agentes pertencentes a tais territórios marginalizados, o ficar em casa não os garante uma segurança interina e continuidade de suas vidas. Enquanto víamos o asfalto pedindo os seus lanches através do aplicativos de delivery, os entregadores lutavam pela sobrevivência, por melhores condições de trabalho e remuneração. Ressalto que o Brasil é o país da sobrevivência, enquanto alguns estão nos seus apartamentos com os seus ar-condicionados ligados e as três refeições do dia garantidas, por outro lado 54,8 milhões de brasileiros estão abaixo da linha da pobreza, sobrevivendo.
A violência, o extermínio, a fome e outros elementos desenhados pelo Estado e que se agravaram com o congelamento dos gastos públicos estão ainda mais expostos. O capitalismo, neoliberalismo e racismo são consequências claras de como a instituição governamental age em detrimento do corpo favelado produzindo uma cadeia sistêmica de desigualdades e exclusão social.
No atual contexto de pandemia, é perceptível que a favela perde ainda mais o seu direito básico de respirar. No mesmo momento em que Estado brasileiro finge lutar contra um um vírus que afeta a todos, mas de maneira mais intensa as favelas, é preciso dizer que esses territórios já eram alvo de uma reclusão não apenas mortífera, mas que silenciava e vem silenciando sua capacidade de exibir seu entusiasmo e suas inquietações.
Desta maneira, esse cenário de violência bélica que já era elaborada pelo Estado com um investimento pífio em políticas públicas, alimenta ainda mais a possibilidade de propagação do vírus sob esses corpos favelados facilitando ainda a materialização de episódios que visam o fim de planos e sonhos.