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OPINIÃO | O sistema limita nossa vida

Enquanto a preocupação de alguns é a falta de álcool em gel, em muitas favelas falta até mesmo água para lavar as mãos
Bira Carvalho

Foto: Bira Carvalho

Carolina Maria de Jesus escrevia em meio a fome; Gilberto Gil compunha músicas em meio ao Golpe Militar de 1964; o grupo de rap Racionais Mc’s escrevia em meio à opressão policial; e eu escrevo sobre o discurso imprudente do presidente da república. 

As favelas lidam com a opressão bélica do Estado. O mesmo Estado que administra  helicópteros blindados da polícia militar que sobrevoam e seguem sujeitos a balearem mais crianças no trajeto de ida para escola. E como se isso não fosse assustador o suficiente,  agora nos é apresentando mais um inimigo. Um que não aponta o fuzil na nossa cara, mas que também invade nossas casas. Um inimigo que não faz seleção por raça, gênero e classe, mas que ainda assim  mata: o Coronavírus e a doença que causa, a COVID-19.

Em 26 de fevereiro de 2020, quando o primeiro caso de Coronavírus foi confirmado no Brasil, já eram divulgadas nas TVs e jornais as medidas de precauções para diminuir as chances no número de vítimas. Mas, ainda assim, não foi o suficiente. A cada dia que se passa, o número de casos confirmados e suspeitas entra em um crescimento exponencial. Hoje, lidamos com um inimigo invisível a olho nu que já resultou em um total de 33.106 mortes (3.215 novas em relação ao dia anterior) no mundo até 30 de março de 2020.

Por conta da epidemia, deu ínicio a falta álcool em gel e máscaras hospitalares nas farmácias brasileiras, era essa a preocupação, mas da elite burguesa. Na favela não falta apenas álcool em gel, falta comida, água, saneamento básico. Talvez você ainda não saiba, mas o Brasil ainda vive a escravatura da fome. Um país que orienta a população sobre a importância de lavar as mãos, mas esquece que falta água encanada e dinheiro para muitas famílias para comprar sabonete. 

A preocupação é eminente e ela precisa existir. Enquanto os mais ricos lêem o seu jornal no início da manhã e têm a oportunidade do lucro por meio do home-office (trabalho em ambiente domiciliar), um Brasil real acontece, um Brasil da miséria.  

Que Jair Messias Bolsonaro é a principal figura representativa do Brasil isso é óbvio, porém, o sentimento de obviedade em relação aos impactos causados pelo coronavírus e as medidas de prevenção ainda não estão claros para o presidente. As narrativas de Bolsonaro e seu posicionamento perante a imprensa se opõem para ao fato de estarmos lidando com um inimigo perigoso que já resultou em milhares de mortes. Para ele temos a presença apenas de “gripezinha’’ sem a necessidade de uma “histeria’’. Jair rege um Brasil para poucos, não é o Brasil de verdade, ele rege um Brasil de grandes empresários que, mesmo com percentual grande vítimas, afirmam que o país não pode parar.

Foto: Betinho Casas Novas

A adoção da quarentena está sendo colocada em prática, ainda que singelamente, por  parte dos moradores nas favelas cariocas. Com o auxílio de ativistas e alguns projetos sociais, houve ainda uma mobilização para conscientizar sobre os perigos do Coronavírus através da colagem de cartazes e a distribuição de materiais de higiene pessoal. Não foi uma ação do Estado, foi uma ação por nós, é nós por nós.

O sistema não prioriza medidas para população pobre, seja nas favelas ou nos loteamentos irregulares. Essa mesma população sofre com a falta de recursos que são fundamentais a todos os moradores da cidade, ou seja, tão pouco importa apenas lavar as mãos se for pra salvar esse público, é preciso analisar a situação como um todo. A ausência de um bom plano de prevenção que deveria ser liderado pelo presidente e um mau entendimento das reais necessidades dos mais pobres apenas geram e facilitam uma consequência: o óbito.  

Foto: Betinho Casas Novas

O Brasil de Jair é um país voltado mais para fora do que para dentro. Para nós, favelados, pouco importa se o cartão postal do Rio de Janeiro é o Pão de Açúcar. Enquanto os mais ricos veem o amarelo da bandeira significando riqueza, a gente vê o amarelo da miséria significando a fome. Ainda não se coloca as favelas na perspectiva de uma leitura eficaz e igualitária, ainda mais em momentos da COVID-19. Basta analisar a situação, quem é que entrega o lanche que foi pedido no aplicativo de delivery? A resposta é óbvia. 

 A questão é que com a COVID-19 a desigualdade social ficou ainda mais gritante. E, ao analisar socialmente as favelas, vemos de forma clara que tais territórios são vistos como o avesso da cidade, sem planejamento governamental eficiente. Mas, não devemos limitar a situação de vulnerabilidade social e violência dentro das favelas, mas sim identificar em tais situações a proliferação territorial das condições de desigualdade social.    Não é só a falta de álcool em gel, mas pelas falas do presidente se percebe que falta inteligência para gerir o país. Estamos diante de uma situação caótica. A ausência de ações e investimentos governamentais na área de Saúde no Brasil e principalmente nos hospitais públicos não se consolida com êxito, agravando ainda mais um percentual maior de vítimas. Não se trata de ignorância, pois Bolsonaro sabe bem quem deve viver ou morrer. Racionais Mc’s estão certos ao falar que o sistema limita nossa vida de tal forma e que são 500 anos de Brasil e o Brasil aqui nada mudou.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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