Conheça a história da VK, uma das mais tradicionais comunidades do Rio
A década de 60 foi um marco importante na história das favelas, ainda mais quando se trata de remoções que aconteceram por todo o estado sob o regime político da época. Para entender melhor a história da Vila Kennedy, precisamos voltar um pouco no tempo. Lá no auge da ditadura militar, com a “Guerra Fria” fervilhando entre os blocos capitalistas e socialistas, o presidente americano na época, John Kennedy, lança o projeto “Aliança Para o Progresso”. A finalidade principal era financiar ações sociais em países da América Latina, para evitar o avanço comunista (o que já ocorria em Cuba, governada por Fidel Castro com o apoio total da antiga União Soviética, hoje Rússia).
O Brasil, então, fecha acordo com os Estados Unidos e passa a integrar a lista de países participantes do projeto. O governador do então Estado da Guanabara (hoje Rio de Janeiro), Carlos Lacerda, aplica o dinheiro repassado pelo Governo Federal na construção de bairros proletários que receberiam pessoas vindas de comunidades removidas. Nasce assim a Vila Kennedy, em 20 de março de 1964. Inicialmente seria chamada de Vila Progresso, porém, em homenagem ao presidente americano assassinado um ano antes, passou a se chamar Vila Kennedy.
O governador Carlos Lacerda resolve usar uma área localizada na Zona Oeste da cidade, região próxima ao distrito industrial de Bangu e à Zona Rural de Campo Grande. A ideia era remover as famílias da favela do Morro do Pasmado, em Botafogo, e do Esqueleto, no Maracanã. As justificativas das remoções eram de que o Morro do Pasmado fazia parte de um conjunto paisagístico da cidade (proximidade com o Pão de Açúcar) e que o Esqueleto, na verdade, seria uma ocupação da construção inacabada do Campus da então Universidade do Estado da Guanabara (UEG), hoje UERJ.
A comunidade é subdividida em diferentes áreas; Vila Progresso, Manilha, Light, Beira-Rio, Malvinas, Leão, Congo, Chatuba, Morrinho, Alto Kennedy, Cirp, Metral, Barrão, Pedra, Sociólogo Betinho e Quafá. Mas não foi sempre assim, como lembra dona Irene, 79 anos. “Não tinha Metral nem Malvinas, era só esse miolo aqui. Assisti a todas as obras, escolas Café Filho, Orestes Barbosa, até ficar como está hoje”.
A aposentada veio das remoções do Morro do Esqueleto, e é uma das moradoras mais antigas da localidade conhecida como Pedra. Mas se queixa das perspectivas que a região oferece. “Sinto falta de cursos para os jovens, para eles terem uma ocupação e uma profissão no futuro”, lamenta.
Estátua da Liberdade (Sim, nós também temos a nossa!) A Vila Kennedy possui uma famosa réplica da Estátua da Liberdade, esculpida por Frédéric Auguste Bartholdi, o mesmo autor do monumento original de Nova York. Atualmente está catalogada como única desse tamanho na América do Sul. E ainda há grande possibilidade de ter sido feita a partir da peça original.
A estátua foi uma encomenda a Bartholdi pela família Paranhos, em 1899, dez anos após a Proclamação da República do Brasil. Em 2014 foi reformada pela primeira vez, após o processo de pacificação da comunidade, atendendo a uma antiga reivindicação dos moradores. A imagem, que continha trincas e fissuras, passou por uma análise detalhada de estrutura e de material.
Ao longo da restauração, foi revelado o verdadeiro material de confecção do monumento. Nos cadastros da prefeitura, constava como uma mistura de níquel e estanho; na verdade, foi feita em zinco, tornando-se a única do Rio com esse material. A outra descoberta foi na coroa do monumento, que apresenta uma parte em bronze, o que não era possível de perceber por ter sido pintada de cinza. A estátua está situada na Praça Miami e é um orgulho para comunidade.
PACIFICAÇÃO
Foi nessa praça que encontramos o motorista e pastor evangélico Carlos Alberto de Azevedo, 51 anos. Ele conta que optou por morar na Vila Kennedy por fazer parte de Bangu, mas lamenta a diferença na estrutura dos dois lugares. “Hoje a VK é uma comunidade isolada. Uma das reivindicações mais antigas é a de ter a mesma estrutura que já existe em Bangu. Então nós lutamos por uma agência de correios, por uma agência bancária aqui. Eu não sei o porquê dessa discriminação”.
Em 2014, a Vila Kennedy recebeu a sua primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Hoje já são sete em diferentes localidades como Alto Congo, Vila Progresso, Sapo, Metral, Pica Pau, Light e Alto Kennedy. Apesar da restauração da praça, e do desenvolvimento do comércio após o processo de pacificação, o pastor não vê muita diferença na comunidade após as UPPs: “Não mudou nada, as empresas que tem negócios aqui dentro enviam carros e caminhões com escoltas, mesmo se tratando de uma comunidade pacificada. Então eu pergunto: Que política de pacificação é essa? Se as pessoas de fora tem medo de investir aqui dentro, isso é uma incoerência. Sempre defendemos a pacificação, desde que viesse junto com o social, para ajudar a inserir o jovem no mercado de trabalho”, dispara.