Por: Michel Silva
Em tempos de desinformação, as mídias comunitárias de favelas e periferias são essenciais para desmentir boatos, explicar políticas públicas e informar quem mais precisa. O caso recente da Receita Federal e o monitoramento das transações financeiras, como o PIX, é o assunto da vez.
A medida tinha um objetivo técnico: identificar operações suspeitas para combater crimes como lavagem de dinheiro. Mas foi distorcida e transformada em pânico por grupos de extrema-direita, com boatos de que o governo começaria a “taxar o PIX” ou até cortar benefícios de quem usa a ferramenta.
O impacto foi imediato. Nas favelas, as fake news correram soltas. Na Rocinha, teve gente achando que vender um cafézinho de 1 real por PIX podia colocar o Bolsa Família em risco. Esse tipo de situação escancara a necessidade de o governo dialogar de forma clara e direta com as comunidades vulneráveis. E as mídias que atuam presencialmente nesses territórios são o caminho mais eficaz para isso.
No entanto, essa parceria não pode continuar dependendo de editais públicos inacessíveis para boa parte dessas iniciativas. Muitas mídias faveladas e periféricas funcionam na raça, sem estrutura, com voluntários que já fazem milagre para manter o básico. Se o governo quer mesmo combater fake news, precisa investir diretamente nessas iniciativas.
Desde o retorno ao Palácio do Planalto, em 2023, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva segue gastando uma grana com publicidade estatal em jornais e revistas tradicionais, além de veículos da chamada mídia alternativa política. E sabe o pior? Muitos desses veículos têm uma audiência limitada, mas ainda assim recebem o investimento. Enquanto isso, as mídias de favelas e periferias ficam de fora porque, pasmem, os dados de audiência delas não atendem aos critérios técnicos da Secom.
E aí a gente precisa perguntar: esses critérios técnicos estão servindo pra quem? Porque, na prática, acabam deixando de lado quem realmente faz a diferença nos territórios, quem está lá no dia a dia, falando a linguagem do povo e combatendo fake news no boca a boca, na internet e nas redes locais. O governo diz querer fortalecer a comunicação democrática, mas parece que continua preso a uma lógica que beneficia os mesmos de sempre e ignora o poder das mídias comunitárias.
O que falta é vontade política e coragem pra mudar esse cenário. Critério técnico não pode ser desculpa pra manter favelas e periferias fora do planejamento de comunicação. Se a Secom quer alcançar as bases, precisa incluir as mídias periféricas no orçamento de publicidade estatal. É um investimento que não só informa, mas também fortalece a democracia e dá voz a quem sempre foi silenciado. Afinal, comunicação não é privilégio, é direito.
Muito se fala em medida provisória. Esse apoio não pode ser tímido nem burocrático. É preciso uma medida provisória que garanta recursos financeiros diretos para essas mídias que desconhecem. Estamos falando de financiamento real, que permita a compra de equipamentos, o pagamento de profissionais e a ampliação da atuação nos territórios. Sem isso, o governo vai continuar falando sozinho em muitos desses lugares.
A desinformação é uma ameaça séria, especialmente para as populações mais vulneráveis. Combater esse problema exige ação direta e estratégica. Garantir recursos para as mídias comunitárias não é caridade, é política pública de comunicação. Com uma medida provisória, o governo pode dar o passo necessário para que esses comunicadores sigam fazendo o que fazem de melhor: informar, empoderar e proteger quem mais precisa.
Michel Silva
Cofundador e editor-chefe do Fala Roça. Formado em Jornalismo pela PUC-Rio e pós-graduado em Jornalismo Investigativo pelo IDP, é cria da Rocinha e adora circular pelas favelas da cidade para fazer redes e adquirir conhecimentos e experiências. Passou pelo Instituto Moreira Salles, Record TV Rio, The Guardian, DataLabe e ajudou a fundar o Favela em Pauta. Hoje está à frente da comunicação e produção jornalística do Fala Roça.