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Trancistas do Complexo do Alemão fazem de técnica ancestral sua principal fonte de renda

Donas do próprio negócio, trancistas Josy Ribeiro e Larissa Alves atendem e encantam clientes com técnica caprichada e profissional
Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

Sinônimo de beleza, ancestralidade e resistência. A técnica de trançar os cabelos é milenar e muito utilizada pela população negra no Brasil. E, com a valorização das raízes africanas, a procura por esse penteado aumentou. Como resultado, surgiu também uma maior busca pelas famosas trancistas: especialistas responsáveis por realizar, manualmente, estilos como as boxes braids, as nagôs braids ou crochet braids, por exemplo.

De acordo com um levantamento feito pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), no ano de 2022, o total de empreendedoras no Brasil alcançou o percentual de 34,4%, o equivalente a 10,3 milhões de mulheres no país que possuíam o próprio negócio. E as histórias de Josy e Larissa, que atuam como trancistas no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro, são dois exemplos de mulheres que por meio do empreendedorismo se encontraram profissionalmente. 

Diretamente de Pernambuco para o Rio de Janeiro

Trancista há dois anos e apaixonada pela área da beleza desde a adolescência, Josy Ribeiro encontrou no empreendedorismo um caminho para obter a sua liberdade financeira. E, após se tornar mãe da pequena Ester, em 2023, passou a atender três vezes na semana em sua própria residência, localizada na Rua Travessa São Pedro, casa 2, no Complexo do Alemão.

Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

Natural do estado de Pernambuco, Josy mudou-se para o Rio de Janeiro com o objetivo de aumentar as suas oportunidades profissionais. Antes disso, morou em São Paulo, onde trabalhou como doméstica. Em 2020, durante a pandemia, resolveu vender roupas infantis. Mas foi em 2022, a partir do incentivo de sua irmã, que viu na técnica de trançar os cabelos uma oportunidade de investir de vez no próprio negócio e iniciou o curso de trancista.

Depois da conclusão, ela foi convida pelo professor do curso para ter a sua primeira experiência como empreendedora na área das tranças. “Fiquei com medo porque não tinha experiência como gestora de salão e não tinha o costume de falar com o público. Arrumamos a loja e começamos com o que a gente tinha. Teve um momento que eu tive que vir à noite para conseguir o dinheiro para pagar o aluguel e para comprar novamente o material’, relembrou a trancista.

Apesar das dificuldades, Josy teve a ajuda de uma contadora para administrar as despesas do salão e a realizar a emissão de notas fiscais, o que possibilitou dar continuidade aos atendimentos. Já em 2023, ainda gerenciando o salão, a trancista passou a ver o número de seus clientes aumentar. Nesse mesmo período, descobriu a gravidez de sua primeira filha e passou a atender normalmente até o final da gestação.

Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

Maternidade e empreendedorismo

Dois meses depois do nascimento de Ester, Josy passou a atender na sua própria casa, onde também vive com o pai da bebê, para poder dar mais atenção à filha, que não se adaptava à rotina agitada no salão. “Eu falei para o meu esposo que eu não voltaria a atender no salão naquele momento, porque eu não iria conseguir trabalhar. A gente tem que ter compromisso. Eu valorizo muito minha filha, mas também valorizo muito a pessoa que vem à minha casa”, afirmou a pernambucana que hoje em dia realiza, geralmente, 15 atendimentos por mês.

Mesmo com os desafios de conciliar a rotina da maternidade e o próprio negócio, ela conta com a compreensão de seus clientes durante a realização do serviço. “Não vou falar para você que é tranquilo, porque ainda tem aquela tensão de dar atenção para a criança e de querer terminar o cabelo do cliente. Mas, graças a Deus, as meninas e meninos que vêm aqui têm toda paciência e eu sou muito grata por isso”, comentou Josy. 

Conquistas e desejos

A trancista, que se via sem perspectivas profissionais até empreender a partir da técnica ancestral, pretende continuar investindo no seu negócio, reformar o espaço que atende em sua casa e, futuramente, ampliar a sua equipe. “E a gente está fazendo um projeto que transformaria a minha área na varanda, para atender melhor os clientes. Mais para frente quero o meu novo salão. Aí eu vou poder ter uma equipe comigo e vou poder gerar emprego para outras pessoas”, revelou.

Dentre os aprendizados que absorveu ao longo de sua trajetória e que gostaria de passar para quem deseja empreender como trancista, Josy destaca a importância da desenvolver uma boa relação com o cliente, unindo a técnica com um atendimento humanizado. Além disso, ressalta a necessidade de confiar no processo e ter amor pela profissão, já que podem ocorrer desafios e o lucro pode não vir de forma tão rápida.


Trancista autodidata

Nascida e criada no Complexo do Alemão, Larissa Alves começou a trabalhar como trancista em 2021. Desde novembro de 2023, ela atende no salão que compartilha com outra profissional da área da beleza. O espaço está localizado na Estrada de Itararé, 908, em frente à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Alemão, e o funcionamento é de segunda a sábado, das 8h às 18h, com horário marcado.

Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

Diferentemente da maioria dos casos em que as pessoas abrem o próprio negócio por questões financeiras, Larissa deu os seus primeiros passos como trancista empreendedora por outro motivo: a partir de um corte químico que teve em seus cabelos. Na tentativa de deixar os cabelos crescerem mais saudáveis, ela procurou uma profissional para realizar o serviço e passou a utilizar tranças, que se trata de um penteado protetor, que evita o contato do fio com as agressões externas.

Após perceber que, por conta do seu tipo de cabelo, as tranças duravam menos, Larissa começou a pesquisar maneiras de aprender a trançar os seus cabelos. Em seguida, depois de receber elogios pelas primeiras tranças, a carioca fez a divulgação do seu trabalho nas redes sociais e recebia as clientes na própria casa. Contudo, em novembro do ano passado, ela decidiu alugar um espaço que pudesse trazer mais visibilidade e que proporcionasse o retorno desejado. 

O empreendedorismo e os seus desafios 

Já no novo local de atendimento, Larissa se deparou com novos desafios em relação a ser dona do próprio negócio. Ela relata que uma das maiores dificuldades que ainda enfrenta é a desvalorização da profissão: “As pessoas não entendem que cabelo bem-feito é um luxo. E trança um trabalho artesanal, demorado demais e, na minha visão, não deve ser precificado tão barato quanto as pessoas gostariam. Por mais que você goste de fazer trança, não é um hobby, é um trabalho”, afirma a trancista. 

Ela ainda diz que, devido à essa desvalorização, outras trancistas acabam atendendo cada vez mais rápido, o que compromete o resultado e a qualidade do penteado: “Quando você faz um trabalho correndo, você não vê o detalhe que perceberia se fizesse com calma. Porque é um trabalho manual, então, vai demorar para ficar bonito. O cliente às vezes também não entende isso e acaba não levando um trabalho como deveria ser”, explica Larissa.

Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

Para tentar driblar esses desafios, ela tem apostado em mostrar o seu diferencial e a investir em especializações, para melhorar a técnica e a entrega do serviço. Parte desse investimento é o local onde faz os atendimentos atualmente. Nele, Larissa acredita pode proporcionar aos seus clientes um momento de autocuidado, ao mesmo tempo que dedica atenção exclusiva a eles. 

Objetivos profissionais 

Larissa, que deseja um dia poder trançar o cabelo de Taís Araujo, também almeja ter a sua própria rede de salões, com diversas franquias espalhadas pelo Rio de Janeiro. Na lista de objetivos da trancista também está o interesse de investir em tráfego pago nas redes sociais, para aumentar o alcance de suas publicações divulgando o seu trabalho e aumentar a sua lista de atendimentos. 

Além disso, ela que se encantou pela técnica ancestral, por meio de uma curiosidade, aconselha quem também quer empreender na área: “É bom fazer um curso, porque se você não faz um curso, você prolonga muito você fazer um trabalho perfeito. E prolonga também você poder cobrar o justo por aquilo. E chame modelos para você treinar. Não tem jeito, você tem que chamar modelo para treinar”, conclui Larissa.

Para conhecer o trabalho das trancistas, pode entrar em contato com elas pelo Instagram:
– Josy Ribeiro: Josy Ribeiro/trancista (@josytrancistarj) • Fotos e vídeos do Instagram
– Larissa Alves:
Trançoberana | Por: Larissa Alves | Trancista RJ🏆 (@trancoberana) • Fotos e vídeos do Instagram

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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