Quem melhor para falar sobre a periferia do que alguém que vive essa realidade? Com vocês, o universo da literatura brasileira, que representa um espaço em comum, a comunidade e a vivência, retratada em livros. Um exemplo, o “Quarto de Despejo”, um clássico de Carolina Maria de Jesus, traduzido em 14 línguas, e conta sobre a vida na periferia de São Paulo e a sua luta como mãe de três crianças para criá-las e educá-las. E não para por aí, Machado de Assis, renomado escritor e fundador da Academia Brasileira de Letras, nasceu no Morro da Providência, primeira favela do Rio de Janeiro. A seguir, a diversidade da literatura favelada contemporânea:
Jessé Andarilho
Autor de vários livros, dentre eles, o romance Fiel. O livro completa 10 anos este ano, e foi escrito em notas de celular enquanto Jessé fazia sua viagem de trem até a Central. Além disso, Jessé Andarilho é fundador da Biblioteca Marginow, cresceu na comunidade Antares, Zona Oeste do Rio de Janeiro e reflete sobre o impacto de ter um espaço destinado à literatura para os moradores do Antares:
“A maior dificuldade que eu enfrentei para incentivar as pessoas a ler é justamente essa questão as pessoas acham que quando eu abro a biblioteca, as pessoas dizem assim – isso é maluquice, ninguém vai ler livro, as pessoas vão rasgar o livro, as pessoas vão, não vão devolver – e eu pensei, pô, se eu prestar o livro pra alguém, alguém não devolver, é sinal que a pessoa gostou tanto que nem quis me devolver, então pra mim eu vou estar no lucro”, ironiza o escritor sobre as críticas que recebeu ao desenvolver o projeto.
A arte é uma porta de entrada para a educação e neste sentido, desperta o interesse para os livros e requer uma engrenagem de vários esforços: “A galera aprende a ler através de grafite, de desenho, do teatro, que a gente também tem oficina de teatro, oficina de audiovisual e de cinema. Então, para poder participar de um filme tem que ler o roteiro. Para ler o roteiro tem que participar da oficina de leitura. Então, uma coisa vai puxando a outra. A gente acredita muito na arte como ferramenta de transformação que ajuda na educação. Então, e foi nessa que a gente conseguiu participar com as escolas”, relata Andarilho ao dizer sobre a parceria com escolas públicas da redondeza.
Octávio Junior
O escritor que ganhou o Prêmio Jabuti de 2020, considerado o Oscar da literatura brasileira na categoria infantil com o livro Da minha janela. O autor que já tem seis livros infantojuvenil publicados, nasceu e foi criado no Morro do Caracol, no Complexo da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro. Octávio Junior revela que as experiências de favela não só para os próprios moradores e dá oportunidade para quem é de fora conhecer, seja por um novo olhar ou por outra leitura de mundo.
No livro, De passinho em passinho (2021), o autor destaca e protagoniza um dos movimentos culturais mais criativos e orgânicos que surgiram nas favelas cariocas: o passinho, estilo de dança que criou-se no bailes funk e foi reconhecido mundialmente.
O escritor estuda teatro e frequenta bibliotecas públicas. A coisa começou a ficar mais séria quando iniciei um trabalho como promotor e mediador de leitura. Encontrei no espaço das comunidades uma possibilidade para me expressar como artista e despertei para a importância da responsabilidade social. Por isso, criei uma biblioteca com ações itinerantes, na qual eu percorria comunidades, escola de artes, de dança e de futebol divulgando a leitura.
Geovani Martins
O autor de “O Sol na Cabeça” (2018), uma série de contos sobre as vivências na Rocinha e do romance “Via Ápia” (2022), título que remete a via central de acesso e circulação na Rocinha. Inclusive, o romance foi indicado como o melhor romance de 2022 ao Prêmio Jabuti. Geovani Martins iniciou no mundo literário, em 2013, através de oficinas oferecidas pela Flup, a Festa Literária das Periferias. Publicou alguns de seus contos na revista Setor X e foi convidado duas vezes para a programação paralela da Flip. O escritor nasceu em Bangu, Zona Oeste e foi criado na Rocinha, Zona Sul do Rio de Janeiro.
A história do livro “Via Ápia”, detalha a violência policial, o leitor se torna íntimo de um pedestre onisciente da Via Ápia, que se movimenta no fluxo intenso dos acontecimentos do acesso principal da Rocinha, sem poder passar batido: da violência policial e urbana ao confronto de front, do sistema dos grupos armados às opressões no asfalto, do impacto afetivo de ver um o sangue de um irmão ou amigo derramado no chão.