Hoje, 12 de julho, é comemorado pela primeira vez o Dia Nacional do Funk. O gênero musical, que nasceu nas favelas cariocas na década de 1980, teve como influência inicial parte da cultura afroestadunidense como o Miami Bass e o freestyle. Logo, foram incorporados elementos da cultura local, trazendo críticas sociais e letras sobre o cotidiano do favelado, se tornando, assim, um grande movimento cultural popular. Em 2007, a Resolução 013 da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro do delegado José Beltrame tentou criminalizar os bailes funk no estado. Após muita luta e resistência, a medida foi revogada em 2009 por ser considerada discriminatória. Nos dias atuais, o Funk ainda resiste para manter sua essência e identidade originais.
Quando se fala em Funk carioca nomes como DJ Marlboro, DJ Mandrake, MC Marcinho, Deize Tigrona, Tati Quebra Barraco e DJ Iasmin Turbininha fazem parte do imaginário popular, assim como MC Menor do Chapa, que começou sua carreira no fim dos anos 90 e MC Naninha, que é da geração um pouco mais atual, iniciando em 2013.
Os artistas, que são de estilos diferentes dentro do mesmo gênero, têm um público fiel de quem se identifica com as vivências de cada um. O Menor do Chapa vem do Morro do Turano, na Zona Norte do Rio, e faz o ‘Funk consciente’, enquanto MC Naninha é cria da Vila Kennedy, na Zona Oeste, e tem letras que tentam naturalizar a sexualidade feminina, o ‘Funk putaria’.
Há quem queira ditar, ainda nos dias atuais, o que é ‘funk de verdade’ ou o que consideram bom ou ruim, mas a real é que cada funkeiro que vive ou viveu a realidade que vários crias se identificam carrega uma cultura rica em história e simbolismo. Para além das letras, as batidas são parte essencial do movimento cultural e, cá entre nós, não tem nada igual. Afinal, artistas fora do Funk que falam a mesma coisa de outra forma não costumam sofrer as mesmas críticas, historicamente. Se for em outro idioma, menos ainda.
MC Menor do Chapa
Se o Menor do Chapa começa a cantar e não bate no seu coração, com todo respeito? Tu é playboy. Brincadeiras à parte, Fabrício Batista, de 42 anos, começou a cantar Funk em 1998, na rua de sua casa, fazendo batidas no carro. Ele relembra que cantava os grandes nomes das antigas como Cidinho e Doca, Wiliam e Duda, MC Mascote e Mr. Catra. “Nessa época eu tinha um amigo que tinha umas músicas já escritas, e aí a gente fez uma dupla. Mas o meu objetivo era divulgar minha comunidade, minha realidade, o nosso mundo paralelo, não era nem dinheiro e coisa material”, conta.
“Eu queria cantar, queria mostrar para o mundo a minha verdade, a minha essência e a minha vivência. Na minha época foi muito terrível porque a polícia atacava os bailes. Eu comecei a cantar funk já na época dos bailes de comunidade; da VK, do Turano – de onde eu sou cria – Salgueiro, Borel, Formiga, Parque União, Nova Holanda, Antares… Isso em 2002. Antes era conhecido como ‘Funk proibidão’, mas para mim é nada mais nada menos que minha verdade, o que a gente vive no morro, nossos amigos, tanto o lado bom e o lado ruim da comunidade”, contextualiza o artista.
Ele conta que em 2005, quando foi para o DVD da Furacão 2000, que deu uma virada vida dele. “Foi aí que eu consegui algo na minha vida através do Funk – assim, coisas materiais. Mas continuei sendo marginalizado. O Funk mudou minha vida, ajudou minha família financeiramente, e me ajudou também a crescer como ser humano. Hoje eu posso falar: o Funk é a minha vida. Mas continuo sofrendo preconceito e sendo marginalizado. Até por ser funkeiro da antiga. Na verdade, eles acham que eu sou funkeiro da antiga mas eu canto música atual.”
MC Menor do Chapa não é uma referência apenas no Rio de Janeiro, como também em todo o Brasil. Ele conta que tem músicas que são conhecidas fora do Rio que aqui ninguém conhece. “Vários artistas, não só daqui como do Brasil todo, me tem como referência. Principalmente a rapaziada de São Paulo. Porque quando o Funk consciente chegou forte lá, chegou eu, MC Frank, MC Primo, Duda do Marapé, Renatinho Alemão, e foi quando começou a dominar SP. Então a realidade é uma só: para mim, fazer parte da vida de pessoas pelo nosso país, talvez até pelo mundo, ser referência para eles e para muito MC hoje que está cantando, fazendo sucesso e ganhando dinheiro é o maior orgulho. É um sentimento de conseguir consolidar minha carreira, que é o mais importante.”
E ele afirma que o Funk consciente vai sempre sobreviver. “Porque esse Funk não toca só nos ouvidos, ele toca no coração das pessoas. Essa rapaziada querendo usar e se apropriar do nosso movimento é só por modismo. Nós somos conceito, estamos além disso. Por isso você vê os bailes da antiga lotando, os Mcs de 20 anos atrás fazendo show não só no Rio, mas pelo Brasil. O que a gente procura é conceito, é consolidação, é o respeito das massas. Muita molecada não conhece meu trabalho mas tá começando a conhecer e, quando conhece, se apaixona não só pelo meu, mas pelo trabalho do Marcinho, do Buchecha, e vários outros”, ressalta.
Sua maior alegria, conta, foi poder comprar uma casa para sua mãe. “Nós que somos de favela, nosso sonho é dar uma vida melhor pra nossa mãe, colocar elas num lugar bom. Então, eu agradeço o Funk, a todo o público, a todas as pessoas. Eu vou continuar trabalhando com força total. Tenho muitos novos projetos e o Funk é uma bênção, como dizia Mr. Catra”, finaliza.
MC Naninha
Quem nunca ouviu ‘Império Bronze, trabalho lindo’ antes? E como palavrão para o carioca é vírgula, MC Naninha não poupa eles. Mas, para além disso, em suas redes sociais a artista não deixa de dar sua opinião sobre assuntos sociais como a privatização da água, das praias e também conscientização sexual. Trazendo rimas que fixam na cabeça de quem a segue e, por meio da linguagem acessível, ela passa muito papo reto.
Símbolo de autoestima e empoderamento, Maiana Mascena, de 36 anos, é mãe solo e avó. Para ela, o Funk é um movimento de salvação, de libertação e uma forma clara de dizer o que acontece dentro da comunidade. “Através do Funk podemos relatar sem meio termo a realidade da favela. É uma forma que o favelado tem de expressar as suas experiências de vida, sem restrições, e sem opressão. O Funk mudou não só a minha vida, como a vida de muitos funkeiros e quem vive ao redor deles; dando emprego, tirando do tráfico, da miséria. Conheço muitos que, se não fosse o Funk, talvez nem estaria mais vivo hoje, dando rumo a sua trajetória”, comenta.
Ela explica que a persona de artista e a da vida real são a mesma pessoa, mas que não cabe em uma caixinha. “Mc Naninha é a Maiana, mas sem restrições, e de uma forma mais popular. As pessoas acham que eu faço putaria o dia todo e toda hora, mas não é assim que funciona. Eu tenho filha, tenho neta, tenho uma vida, uma rotina. Não vivo só de putaria, diferente da Mc Naninha. Mas não tem como ser uma, sem ser a outra. Até porque eu canto a realidade da comunidade, o que realmente acontece. Nem sempre é o que acontece comigo; às vezes com uma amiga, com um vizinho. Mas todas as minhas músicas relatam uma realidade.”
Sobre o fato de vários ‘playboys’ tentarem entrar no Funk, ela pontua que eles usam para ganhar engajamento e ter uma profissão. “Por achar um movimento mais fácil de se incluir e popularizar. Mas eu não julgo, porque o Funk é da favela para o mundo. Até porque se eles cantam Funk, estão divulgando a nossa realidade de alguma forma. Assim como eu não aceito quem julga um favelado que quer ser médico, modelo, pop Star, cantora internacional, todas essas profissões consideradas da “playboyzada”. É não julgar, para não ser julgado”, afirma a cantora.
“Eu sou p*ranha, p*rra!“, responde, rindo, quando perguntada quem é MC Naninha nas palavras de MC Naninha. “A Naninha é isso que vocês veem na internet. Não tenho papas na língua, uma pessoa que não aceita opressão, que ama seus fãs e todo o carinho que recebe nas redes. Uma mulher que não tem medo dos hates! A Mc Naninha tem uma personalidade muito forte, um temperamento alto, mas é amiga, acolhedora, humana, e que se preocupa sempre com o próximo”, confessou ela.