“Hoje em dia, fazer um favela tour e ir ao Cristo Redentor estão no mesmo patamar”. A fala é do Pablo Vileo, guia local há dez anos na Rocinha, favela da Zona Sul do Rio de Janeiro. São iniciativas como a de Pablo que mostra que a originalidade da favela tornou-se um ponto atrativo, criativo e também, econômico para toda uma rede de turismo. Além de permitir que estes territórios entrem na disputa para alcançar o mesmo protagonismo e visibilidade de outros pontos turísticos da cidade.
O Rio de Janeiro, como um grande cartão postal do país, já recebe turistas o ano todo. E sendo uma cidade que entra no mapa de grandes eventos (como o show da Madonna), a visita de ‘gringos’ nos territórios é uma consequência.
O turismo na Rocinha não é uma coisa de agora. O jornal Fala Roça, em uma publicação, detalha que o turismo na Rocinha começou na década de 70, através do morador Paulo César “Amendoim”, que levava hóspedes do Hotel Nacional, de São Conrado. “Considerado o pai do turismo na Rocinha, Amedoim faleceu em 2020”, detalha o jornal.
Mas voltemos no Pablo, nosso guia local. Potiguar, Pablo tem 24 anos e chegou a Rocinha quando tinha 5. Depois do falecimento da sua mãe, foi viver com sua e tia e seu mestre de capoeira, Manel, que ensinou sobre fé, capoeira, favela. Batizado na capoeira como “João Grilo”, Pablo reflete a importância que o turismo tem em abrir as portas para pessoas faveladas e pobres mudarem sua vida através do contato com o mundo lá fora, além da troca cultural. “As pessoas tiram fotos da Rocinha e veem beleza. Ou seja, a mesma coisa que elas fazem com pontos turísticos, elas fazem na favela” Com 24 anos, o guia local também tem outras profissões.
O início de sua trajetória com o turismo partiu da curiosidade para aprender outros idiomas. “Eu comecei no turismo em 2014, através de um amigo meu, o Bruno. Ele tem uma empresa de turismo aqui na Rocinha, o Favela Walking Tour. Ele dava oportunidades para os moradores locais serem guias e também, aprenderem inglês, foi meu pontapé para o turismo”, narra o guia. Ele explica que passou dois anos se aprimorando e, aos 16, já liderava grupos de estrangeiros sozinho.
Junto com Elodie, a “francesa mais cria” segundo Pablo, o guia comanda a agencia Favela Lives Tour, que funciona há 1 ano e meio. A empresa possuí cinco guias e três ajudantes. Todos são moradores da Rocinha. O roteiro custa em média R$ 180,00 por pessoa e funciona em dois horários: 10h e 14h. A agencia Favela Lives Tour colabora com a cultura de matriz africana, contando com apresentações de capoeira, samba e maculelê. Além disso, os guias da agência levam as pessoas em comércios locais, visitam casas, apresentam pessoas e percorrem becos e vielas, apresentando a vida, o baile funk, a diversidade presente e até mesmo, as dificuldades. “O turismo de experiência é para contar nossa história, os turistas não querem conhecer somente a história do lugar, eles querem vivenciar, experimentar”, contextualiza Pablo. A proposta dos guias locais é naturalizar e aproximar os turistas de uma visão mais real da vida na favela, e acrescenta: “é lógico que aprendemos sobre a favela, mostramos dados, a origem”, explica Pablo
O empreendedorismo cultural e a aprendizagem de idiomas, fez o Favela Lives Tour se integrar a Laje Cultural conhecida como “Laje da Mulher Maracujá”. O local é destinado a apresentações de danças além de contar com um mirante da Rocinha. Quem ganha com isso são os jovens que realizam apresentações para os turistas. Pablo ressalta que os jovens “fazem o que gostam, tiram a renda e aprendem um idioma. É uma parada que tá acontecendo através do turismo”.
Que tal um Favela Tour pela Rocinha?
Atendendo ao convite do Pablo, fomos à tour pela Rocinha. O passeio começa às 14h, na saída do metrô de São Conrado no pé do morro. Acompanhamos um grupo francês que faria o circuito. O tour começa na garupa de um mototáxi, pelo valor de R$ 10. Dali, subimos a Estrada da Gávea, onde se localiza do o bar Mirante Rocinha, decretado ponto turístico da Cidade do Rio de Janeiro. Lá, diante da vista do alto do morro, o guia explica os pontos turísticos cariocas que são visíveis da favela: a Lagoa Rodrigo de Freitas, o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor. O guia também aponta as socioeconômicas presentes no mesmo lugar. Apontando para as mansões da Gávea, o guia diz “les gens riches” que significa “pessoas ricas”.
Foto: Leticia Gonçalves/Voz das Comunidades
Foto: Leticia Gonçalves/Voz das Comunidades
Depois de uma ladeira, encontramos uma visão para a Pedra da Gávea e parte da Rocinha. Dali passamos para o espaço da Laje Cultural. Após mais escadas, encontramos crianças e adolescentes do grupo de capoeira de corda. Eles nos cumprimentam e apresentam a capoeira, o samba e o maculelê. No ritmo, convidam os turistas a cantarem, baterem palmas e também, a dançarem. Ao final, explicam a importância do projeto social “Acorda Capoeira” do mestre Manel. A colaboração para o projeto se manifesta através de um pandeiro que passa pelos convidados.
Foto: Leticia Gonçalves/Voz das Comunidades
Foto: Leticia Gonçalves/Voz das Comunidades
Foto: Leticia Gonçalves/Voz das Comunidades
Dando prosseguimento, chegamos à uma galeria de arte. O local é o Wark Rocinha. Na sequencia, passamos por quadras de esporte e escolas públicas. Descendo na famosa Via Ápia e chegamos na Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem. O passeio termina na passarela da Rocinha.
Foto: Leticia Gonçalves/Voz das Comunidades
Foto: Leticia Gonçalves/Voz das Comunidades
Foto: Leticia Gonçalves/Voz das Comunidades
Foto: Leticia Gonçalves/Voz das Comunidades
Para mais informações: acesse a página oficinal da Favela Lives Tour no Instagram: @favelaslivestour ; página oficial do Projeto Acorda Capoeira no Instagram: @acordacapoeira; página do guia Pablo Vileo: @pablovileo.
Favela do Vidigal: Mais de um milhão de visitas
Praticamente vizinho da Rocinha, o Vidigal também é uma favela da Zona Sul do Rio. No ano de 2023, segundo os dados da Prefeitura do Rio, a comunidade apresentou dados elevados de visitas, contabilizando um milhão de turistas já pisaram no alto do morro. E para chegar lá não é difícil. Descendo na Praça do Vidigal, basta acessar os serviços de mototáxi e kombi. Cada um custa R$ 10.
O Vidigal dispõe de vários pontos turísticos e de lazer. Dentre eles, podemos citar a Praia do Vidigal, Horta Comunitária, Bar da Laje, Quiosque do Arvrão, Trilha do Morro Dois Irmãos, Casa de Vidro, Vista do Cantão, Parque Ecológico do Vidigal e o mais requisitado, o Mirante do Arvrão. Além do passeio, os visitantes geram renda para os moradores do morro. Eles também buscam sua opção de hospedagem dentro da favela por quererem viver a experiência imersiva na comunidade.
As motivações para as hospedagens no Vidigal, competem com as opções luxuosas de hotéis e mansões que estão em volta da favela. Diferente dos grandes empreendimentos hoteleiros, a favela oferece hospedarias com bons resultados e serviços. “A busca dos turistas é pela segurança, cultura de favela, o baile e o conforto. Diferente do asfalto, os turistas se sentem mais à vontade e seguros no morro. Aqui eles não são extorquidos, estamos acostumados em recebê-los”, conta Igor Henrique, 26 anos, gerente do Hostel Sol e Mar.
Criado na Zona Oeste do Rio de Janeiro, Igor visitava o Vidigal porque seu irmão já era gerente do Hostel Sol e Mar além de também eventos na Zona Sul do Rio. Henrique começou a fazer parte da equipe há dois anos e atualmente, como gerente, também atua como produtor cultural na empresa Visão Vidigal. Igor faz aulas de inglês e tenta se garantir na comunicação com todos que aparecem no Hostel. “Vidigal é vida, tudo acontece do nada. Recebi uma mensagem aqui… É para a Aline Maia, a dançarina, gravar uma publicidade. Aqui tudo acontece, principalmente aqui na laje”, conta o gerente.
Foto: Leticia Gonçalves/Voz das Comunidades
Foto: Leticia Gonçalves/Voz das Comunidades
O espaço do Hostel Sol e Mar fica localizado na Rua Maj. Toja Martinez Filho, 126, com uma laje recreativa que recebe eventos e diferentes produções. A cultura da favela circula no local com os eventos como a Batalha de Califórnia e outras apresentações menores. A vivência de se sentir em casa e habitar dentro da comunidade, aproxima os visitantes do convívio com os moradores. “Eles saem daqui se vestindo ou querendo usar a mesma coisa que usamos. Querem usar Kenner, camisa de time… Eles acham bonito o jeito que nos vestimos” ri Igor que lembra dos turistas quando eles pedem informações para comprar as roupas.
Igor também relata que o trabalho voluntário dos turistas também acontece muito. “Estamos no WordPackers (site de trabalho voluntário) e eles vem se voluntariar aqui em diferentes áreas de atuações: cozinha, ensino de idiomas, audiovisual, arte e entretenimento, pinturas, reforma da casa…”, lista o gerente. “Os voluntários vivem aqui e construímos uma relação próxima. Isso acontece porque eu também vivo no hostel há dois anos. Eles trabalham seis horas por dia e tem duas folgas na semana. Geralmente eles escolhem suas folgas. Deixamos todos à vontade e nosso hostel é decorado pelos visitantes”, explica o gerente.
Foto: Leticia Gonçalves/Voz das Comunidades
Foto: Leticia Gonçalves/Voz das Comunidades
O turismo movimenta e representa um ramo de trabalho em ascensão, que se sustenta durante o ano todo. O Hostel Sol e Mar está no mercado há 12 anos e mostra sua rotina. “Recebemos em média, por mês, 70 a 80 hospedes. Vem pessoas de todos lugares do mundo” explica Igor. “Eles estão trás de vagas pro Show da Madonna”, comemora o gerente que lê mensagens que chegavam em seu computador. Além do mais, detalha o público que geralmente recebe. “Aqui recebemos mais mulheres. Temos 14 vagas em quartos compartilhados. O quarto compartilhado de mulheres possui 8 vagas. E sempre são mulheres que viajam sozinhas”, explica o gerente. A fala esclarece o protagonismo das mulheres em estarem no mundo e contando suas próprias histórias.
O impacto que o turismo oferece a favela, se mostra como uma engrenagem, com muitos braços e auxiliando outros projetos sociais: “Temos um campo de futebol e ele é aberto para a Ong Ser Alzira que atende crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. Ajudamos o projeto dando doações de cestas básicas quando rola evento aqui na laje”.
Além da experiência na favela, o turismo se ramifica para um intercâmbio de potencializar o Vidigal, investindo e dando recursos para ações. O empreendedorismo social também cresce. Igor detalha os benefícios: “Os turistas querem conhecer crianças de projeto social, ONGs. Ajudar mesmo. Eles sabem que possuem grana e doam, ajudam a gente. Até mesmo instalação de energia solar na casa de morador, os caras já fizeram”.
Para conhecer mais: acesse a página oficial do hostel no Instagram: Hostel Sol e Mar Vidigal; a página oficial da Ong no Instagram: Ong Ser Alzira Vidigal ; a página oficial da empresa cultural no instagram: Visão Vidigal.