Não é de hoje que as crianças se divertem fazendo passinhos de dança por aí! Em qualquer churrasco de família na favela ou na periferia, em algum momento, vai tocar a conhecida “dança da mãozinha” ou qualquer música do grupo “É o tchan!” e até a tia-avó da toalhinha no ombro vai levantar e dançar com a galera.
Crianças e adolescentes de diversas gerações foram e são influenciadas por conteúdos audiovisuais que se tornam cada vez mais populares e marcam momentos com família e amigos. Quem não dançou o “Ilari-Ilariê” da Xuxa ou rabiscou o chão lançando o passinho do frevo, por exemplo? Hoje em dia a história não é diferente. As dancinhas, quase sempre ligadas a sonoridades populares na favela (pagode, funk, forró), são fonte de diversão e interação da criançada. Porém, agora o padrão de consumo desses conteúdos mudou. Eles estão no famoso aplicativo da empresa chinesa ByteDance, o Tik Tok!
Alicia Dias de Souza tem 8 anos, mora com sua família no Vidigal e é tiktoker conhecida na favela por suas dancinhas. A pequena é tão querida que, em duas ocasiões, foi escolhida pelos moradores para dançar no palco com artistas virais do Tik Tok: Mc Daniel e Os quebradeiras.
Alicia consome conteúdos de dança da rede social desde os 5 anos e uma de suas músicas favoritas é “ensaio das maravilhas” com Pedro Sampaio. Quando perguntada sobre quantas coreografias já aprendeu, ela responde. “Já dancei muitas dancinhas. Eu não sei, tem muitas. Às vezes, eu fico até de madrugada.”
Amanda Dias, 33 anos, mãe de Alicia, conta que a dança ajudou sua filha com a timidez. “Isso também ajudou muito ela, porque ela é muito tímida. As pessoas passavam e falavam: ‘Oi, Amandinha! Oi, Alicia!’ e ela nada… Agora, ela passa, o pessoal: ‘Oi, blogueirinha!’ e ela já fala, ela dá tchau, essas coisas.”
O incentivo à movimentação do corpo é um ponto positivo com relação às interações que surgem por meio da rede social. Não só meninas, mas também meninos têm experimentado mais liberdade para se expressar através da dança, incentivados pelas trends dançantes do Tik Tok. Mas nem tudo é perfeito.
A importância do cuidado com a criançada exposta ao aplicativo
A psicopedagoga e professora Camila Garcia, moradora do Complexo do Alemão, fala sobre o tema. “Teve uma época, quando teve esse boom do Tik Tok no contexto da pandemia, que eu utilizei alguns passos, principalmente com os pacientes com autismo. Eu ensinei através dessa reprodução, mas é necessário ter alguns cuidados… sobre algumas músicas. E o problema é sempre o excesso.”
Foto: Marlon Soares / Voz das Comunidades
Diferente de antigamente, quando os responsáveis conseguiam ter mais controle do que era consumido pelas crianças na televisão, hoje isso se torna mais difícil nas redes sociais, sobretudo no Tik Tok.
Segundo pesquisa TIC Kids Online Brasil 2022, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), 58% das crianças e adolescentes estão no Tik Tok. O correspondente a 22,3 milhões de brasileiros entre 9 e 17 anos (93% dessa população) são usuários da internet e 82% usam as redes para consumir vídeos.
Ou seja, estão expostos a vídeos legais de dança, mas também a conteúdos não apropriados para elas.
“Quando a gente pensa em Tik Tok, eu vejo muito a questão da sexualização infantil. Isso pra mim é muito grave! Por exemplo, eu já escutei casos de crianças que falavam naturalmente sobre uma relação sexual, porque elas tinham visto no Tik Tok”, contou alarmada a psicopedagoga.
A também professora e neuropsicopedagoga Marcia Cardoso partilha do mesmo sentimento que a colega de profissão. Atuante na educação infantil e atendendo crianças do CPX, ela relatou:
“No geral, a parte tecnológica é muito importante, mas nessa parte do Tik Tok, no conteúdo, tem mais aspectos negativos do que positivos. Eu assisto por conta dos alunos… Outro dia, por exemplo, eu estava assistindo um menino chamado Teodoro e ele tava fazendo perguntas e respostas. E esse conteúdo, nesse dia, foi todo voltado para o sexo, como ele seduz o marido e tudo mais.”
Foto: Marlon Soares / Voz das Comunidades
O problema não é a existência de conteúdos voltados para o público adulto, mas sim a exposição das crianças a temas e músicas que não são apropriadas para elas.
No “Guia de Pais e Responsáveis” no site do Tik Tok há recomendações para controle do uso da rede pelas crianças e adolescentes. A ferramenta “pareamento parental” permite aos responsáveis: controlar o tempo de tela diário; filtrar palavras-chave de vídeo; verificar mensagens diretas; entre outras atividades.
Porém não há uma mediação própria do aplicativo sobre esses conteúdos. A responsabilidade é toda dos pais! Amanda, mãe de Alicia, dedica-se atualmente a cuidar da filha em tempo integral e sempre fiscaliza o que a pequena está vendo e fazendo nas redes. Ela diz orgulhosa.
“Tem músicas inclusive que eu não deixo ela dançar. Quando ela vai soltar algum vídeo na internet, ela sempre me pergunta: ‘Tá legal, mãe? E essa música pode?’. Só de eu olhar, ela sabe que eu não gostei, inclusive as roupas que ela vai dançar e tudo mais… porque ela acabou de fazer 8 anos, ainda é muito criança mesmo e eu quero que ela fique criança até não dar mais.”
Entretanto, a realidade vivida pela família Dias não é uma constante nas famílias da favela.
Foto: Marlon Soares / Voz das Comunidades
Impacto do uso de redes sociais nas crianças de favela
Se no asfalto a falta de tempo para fiscalizar o que as crianças consomem nas redes é uma realidade, imagina na Favela onde 21% dos lares são chefiados por mães solos (dados Data Favela 2022). Muitas vezes, com pouca (ou nenhuma) rede de apoio, o celular se torna uma estratégia para essas mulheres conseguirem dar conta da jornada tripla: filhos, trabalho e casa.
Por outro lado, a realidade da violência na Favela também é um fator que deixa mães e pais apreensivos sobre permitir que os filhos saiam para brincar livremente e, novamente, o celular entra como opção de diversão. Isso, somado a correria do dia a dia e a pouca eficiência do controle parental das redes, expõe os pequenos a riscos.
Sobre como o uso prolongado das redes sociais atrapalha o desenvolvimento, a psicopedagoga Camila Garcia comenta.
“O básico de tudo é a atenção. Segundo, pra mim, mais do que a atenção, é a qualidade de sono. Quanto menos se dorme, mais tempo se passa com luzes brancas. O cérebro entende que ele tá acordado. Isso vai impactar muito mesmo na parte do sono e vai debilitar praticamente o seu dia inteiro. Então, há comportamentos mais agressivos porque a gente não compreende bem onde estamos.”
Faixa Etária | Tempo de Tela |
Menores de 2 anos | Nenhum contato com telas ou videogames |
Dos 2 aos 5 anos | Até 1 hora por dia |
Dos 6 aos 10 anos | Entre 1h a 2 horas por dia |
Dos 11 aos 18 anos | Entre 2h e 3 horas por dia |